Intermission: Dionathan
- HAAAADISH!
- Isso foi um... Espirro?
- Você pode ver dessa forma. Mas nunca se sabe. E por isso,
eu não concordo, nem discordo, muito pelo contrário.
Parece que ninguém entendeu o que eu disse, outra vez.
A temperatura continua caindo, e o nevoeiro fica mais denso
à medida que avançamos. Por mais que eu goste deste tempo, eu devo ser o único
sofrendo pelo frio. Ryu é peludo e Heike um dragão. Lucy deveria estar me
acompanhando em uma situação como esta, mas ela conquistou a vitória sobre a
natureza quando decidiu trazer alguns agasalhos em sua mochila.
Bom, pra dizer a verdade, ela me ofereceu um há algum tempo,
mas eu recusei. Eu não posso aceitar. Não quero que ninguém saiba que estou
assustado, e o frio me da uma boa desculpa para estar tremendo. É um sacrifício
a se fazer.
- Isso não teria acontecido se tivesse aceitado o casaco da
Lucy. – Heike.
- Eu não estou com fri... HAAAAAAAAAAAAADISH!
- Percebemos... – em coral.
- Mas que droga, qual o problema com o meu espirro?
- Bom, é só que... – Lucy continuou – Hadish. Parece ser um
bom nome para uma personagem da história que estou escrevendo.
- Ei, isso não faz sentido... Mas você realmente trabalha
bastante, não é? Que tipo de conto é dessa vez?
- Lemon.
Capotei de cabeça no chão.
- EU JAMAIS PERMITIREI QUE VOCÊ USE MEU INOCENTE ESPIRRO
DESSA MANEIRA!
- Não diga isso! Não é fácil achar um bom nome para um
personagem, você sabe. E Hadish está soando perfeitamente natural...
- Como um nariz resfriado? – completei.
- Oh, essa foi boa. – Ryu aplaudiu.
- Obrigado, obrigado. – me curvei, agradecendo.
- Mas o argumento da Lucy é muito bom.
Droga, Heike. Fique do meu lado ao menos uma vez!
Continuamos nossa caminhada em busca de uma cidade onde
poderíamos encontrar o que buscávamos. Os outros do grupo pareciam manter o bom
humor enquanto prosseguiam conversando, mas eu não sei por mais quanto tempo eu
vou conseguir fingir isso.
Eu não deveria ter descido até essa droga de ilha... Mas não
havia outra forma de confirmar as minhas suspeitas.
Há algo de muito errado por aqui. É como se o lugar fosse
assombrado pela morte. A atmosfera também não é normal. É exatamente como um
dos andares inferiores da Izanagi, se me permito a comparação.
Sim, eu não me lembro muito bem do que aconteceu quando eu desci
lá, mas o sentimento é bem semelhante. E ainda tem o farol que vi quando
sobrevoávamos a ilha... É o mesmo que vi em uma das vezes que desci até os
andares inferiores. A situação foi longe demais para ser uma mera coincidência,
e não há mais ninguém além de mim e o Rodrigo que possa entender. Péssimo dia
para tirar férias, cabeça de rifle. Você seria bem útil nesta missão.
Oh, é verdade!
- MISSION START! – parei e gritei no meio do nada.
... O que foi? Parem de me encarar assim!
- Por que você gritou isso agora? – Ryu coçava sua cabeça.
- Porque eu não gritei antes. Uma missão nossa não pode
começar sem as devidas preparações! Então esqueçam tudo, a missão está começando
oficialmente agora!
- Eh? Mas... Isso não seria justo com o Cici. Ele também
veio com a gente, merece estar incluso no começo da missão.
- Rodrigo também merece. – Heike.
- Isso realmente importa?
...
- Ei, Dio? Você me ouviu?
Eu tinha parado de andar já há alguns segundos. Eu e o mundo
ao meu redor não estamos mais conectados. Nenhum som chega aos meus ouvidos.
Logo a frente, uma sombra oculta no nevoeiro. Pequena, frágil, agachada como se
brincasse no chão.
Meu corpo começou a se mover em sua direção sem que eu permitisse.
Meus lábios não se movem. Lentamente, passo a passo vou me aproximando de sua
fraca existência.
- Ei... O que foi? O que está acontecendo?
Eu não consigo ouvir mais nada. Apenas o vento e um leve
sussurro despertaram minha audição. Essa voz, tão familiar... O que está
dizendo?
O formato, o tamanho e o cabelo. Ela está se levantando.
“DIONATHAN!”
Esse grito... Não, não outra vez!
Não... Não, não, eu não vou deixar você ir embora assim!
- Dio! O que está fazendo?!
“DIONATHAN!!”
Pare de chamar meu nome!
Recuperei o movimento do meu corpo e comecei a perseguir
desesperadamente a sombra que fugia em direção ao nevoeiro. Pare de correr!
Pelo menos dessa vez, por que você não para?!
- Ei, Dionathan! Volte!
Intermission: Lenarth
Aquele campo minado não deveria estar ali! Droga, eles nem
tiveram o trabalho de esconder as minas direito! Então como implantaram sem que
ninguém visse?! Nem mesmo eu e Reinald...
O Manticore que eu montava descia com tudo o que tinha para
cima dos jovens que corriam em direção às minas. Um corpo que não fosse tão
resistente poderia se desmembrar com um movimento brusco como este, mas o corpo
deste animal permaneceu intacto. É realmente admirável a sua resistência e
sincronia com a alma.
- Por favor, eu sei que está fazendo o que pode e que
prometi não te ferir, mas eu preciso que você vá um pouco mais depressa ou
chegaremos tarde!
Embora eu não os conheça, não posso deixar que morram desta
forma, eles estão ao meu alcance, eu preciso salvá-los!
- Cuidado com o campo minado! – gritei, embora ainda estivesse
muito alto.
Intermission: Dionathan
Só mais um pouco... Vire-se para mim!
Comecei a correr mais depressa, mas ele continua se
distanciando... Por quê?! Por que eu não consigo te alcançar?
E de repente, tudo se apagou.
***
- Eu estava prestes a alcançá-lo. Como uma quimera eu sou
mais veloz... Mas ninguém deveria correr daquela forma com uma neblina destas.
Esta voz... Ryu?
Lentamente abri os olhos, e as imagens foram se formando aos
poucos. A primeira coisa que vi foi Heike caminhando ao meu lado direito.
Ei, isso em baixo de mim... Estou sendo carregado? Espera, que
criatura é essa? Seu pelo é quente... Ryu? Não, não, é um quadrúpede e a voz do
Ryu acabou de vir de outra direção. E ainda por cima tem asas.
Tentei sentar no animal que me carregava, mas uma forte dor no
ombro me recebeu. Repeti o movimento com mais cuidado até conseguir o que eu
queria.
Argh, o que foi que aconteceu com o meu corpo?
- Não se esforce tanto, o seu ombro está deslocado. Se fizer
muita força vai piorar o seu estado.
Me virei. Ao meu lado esquerdo estava ele, junto a Ryu e
Lucy, caminhando como se fosse um de nós. Tinha mais ou menos a nossa idade.
Seu cabelo era preto e longo e as roupas... Bem, pode-se dizer que devem seguir
a moda local.
- Quem... é você? E o
que foi que aconteceu com o meu corpo? Estou todo quebrado.
- Me desculpe. Acho que sou o responsável pelo que está
sentindo. Meu nome é Lenarth. Eu me joguei em você há alguns minutos para
impedir que chegasse até um campo minado que estava em seu caminho.
Ei... Isso é sério? Não se parece demais com alguma cena de filme
de ação clichê?
- E o que um campo minado faz logo na entrada da ilha?
- Isso é algo que eu também gostaria de saber...
- Se não fosse por Lenarth, você estaria em pedacinhos,
aniki.
- Creio que não só ele. – Heike completou o que Lucy dizia –
Aquelas minas pareciam realmente poderosas.
- O que foi que deu em você pra agir daquele jeito? Foi
demais até pra você, cara. Não ouviu a gente gritando pra você parar?
- Eu não sei... Eu estava andando com vocês, e de repente eu
ouvi alguém me chamando, era uma silhueta. Eu não sei de quem era, mas ela
parecia me conhecer. Então eu a persegui...
- Do que está falando? Não havia ninguém no seu caminho.
- É claro que havia. Vocês não devem ter visto por causa da
neblina, mas definitivamente estava lá.
- E como ela passou pelo campo de minas?
- Bom, apesar de tudo as minas estavam bem visíveis. –
Lenarth interferiu – Talvez ela tenha apenas desviado de todas.
- Hmm, faz sentido. – Lucy estava anotando tudo em seu
bloquinho. – Mas isso continua bem estranho.
Eu que o diga.
Isso não deveria acontecer em nenhum outro lugar do mundo
senão dentro daquela aeronave. O que há com esse lugar? E como é possível que
alguém viva por aqui? E todas aquelas bombas...
Ryu também parece um pouco desconfiado. Talvez ele tenha
percebido alguma coisa estranha.
- É um Manticore, não é mesmo? – Ryu se pronunciou. – Eu já
ouvi um bocado sobre eles. Animais alados, bem perigosos se ameaçados.
Heh? Então era apenas um interesse em outro animal? Não é
hora de paquerar, Ryu!
- Sim, é verdade. Estes animais costumam freqüentar nossa
ilha nessa época do ano, então é provável que vocês encontrem mais alguns a
frente. Mas não se preocupem, são animais mais dóceis do que os boatos dizem.
- Me corrija se eu estiver enganado, mas embora dóceis, eles
não tem fama de serem animais adestráveis. Como conseguiu domesticar um?
- Não, você está certo. Normalmente um humano normal teria
grandes problemas com um animal desse porte, mas é bem mais simples quando se é
um adestrador de feras como eu.
- Entendo, então é esse o caso.
Não... Ryu definitivamente percebeu alguma coisa. É a
primeira vez que eu vejo uma expressão tão séria no seu rosto. Pensando bem, Heike
também está com uma aparência nada amigável. Então é isso, eles devem ter
percebido algo que humanos como eu e a Lucy jamais notaríamos.
- Bem, vocês querem reabastecer a aeronave de vocês, não é?
A cidade não está longe, mas eu prefiro que façamos uma parada rápida no
farol...
Farol?!
- ... Há um amigo esperando por notícias, bem, quase. Ele saiu agora pouco mas já deve ter voltado. O que importa é que temos
medicamentos sobrando no farol. Podemos conseguir o que vocês precisam sem que
gastem nada por isso.
- Ohh, você é realmente gentil! Não tem problema? – Lucy.
- Não há problema. Na verdade, eu acho que os devo isso por
tê-los julgado mal de inicio. Por serem piratas eu imaginei que tivessem vindo
atacar e saquear nossa amada cidade, mas não parece ser isso. Afinal, seria
impossível para um animal de natureza tão majestosa como a do Manticore
carregar alguém indigno em suas costas. Vocês com certeza são boas pessoas e
merecem o que vieram buscar.
Esse cara... Ele deve ter uma forte ligação com os
Manticores. Que sentimento nostálgico.
Eu deslizei a palma de minha mão pelo pêlo do seu pescoço.
Está bem quente, totalmente oposto ao frio que estou sentindo. É um animal
realmente dócil. Mas não deve ser fácil para ele carregar o peso de sua
espécie. A má fama, a raridade e o preconceito... Manticores devem ser animais sofridos.
E ainda assim, muito gentis. Não importa o que digam, este é realmente um
animal muito belo.
- Dionathan.
- Heim? O que foi, Heike?
- Você feriu o ombro esquerdo, não as pernas. Já pode
descer.
- ... Não enche.
- Oh, vejam só. – Lenarth apontou para noroeste – Chegamos
bem rápido. Já da pra ver o farol daqui.
Sim, como eu suspeitei. É o mesmo farol que eu vi daquela
vez. A cor, o tamanho, o cenário onde está... Até mesmo aquela pichação
característica em seu corpo. Ele é no mínimo idêntico ao que eu encontrei nos
andares inferiores da Izanagi, mas o que isso significa? Deve haver alguma
conexão...
- Bem, eu vou na
frente. Pra chegar nos faróis só é preciso contornar para a direita mas...Bom,
eu nunca me dei bem com as chaves da entrada.
- Você já tentou marcá-las, Lenarth-san?
- É o que Reinald vive me dizendo. Isso não combina comigo.
Bom, em todo caso, vejo vocês em alguns instantes!
Lenarth correu em direção a curva do farol enquanto acenava
sem olhar para trás, deixando nosso grupo para trás junto com seu Manticore.
- Ei, Dio... – Ryu sussurrou
baixo o suficiente para que somente eu ouvisse.
- O que foi?
- O Manticore que você está em cima... Ele cheira à morte.
- Do que você está falando?
- Eu não sei se ele matou alguém, ou se é por causa do lugar
onde ele fica, mas Manticores não tem este cheiro. Heike sente a mesma coisa.
Ela está informando Lucy neste momento. Eu sei que você notou isso antes de
todos, mas precisamos dar o fora daqui o quanto antes. Eu não estou com um bom
pressentimento sobre o que pode vir a acontecer.
Em silêncio, eu acenei com a cabeça para Ryu. A neblina e
nem o frio ameaçaram recuar até agora. Estamos adentrando cegamente o
território de alguém que parece ser mais perigoso do que aparenta. E não
podemos voltar de mãos vazias. A nave precisa ser reabastecida e o Rodrigo
necessita de medicamentos. Merda. Eu temo que as coisas possam estar apenas
começando... Talvez este lugar seja mais parecido com a Izanagi do que pude
presenciar até agora.
Mas se for esse o caso...
Não, eu prefiro não pensar nisso agora. Por hora, precisamos
nos focar nesse tal de Lenarth.
Tornei a repetir o movimento de carícia no pescoço do
Manticore que me carregava.
Eu não sei o que aconteceu...
...
... Mas você continua um belo animal.
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