terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Capítulo 6 - The Dead Remains of a Necromancer's Past - Parte 4

Intermission: Lenarth

Eu amo essa ilha, e amo os habitantes dela. Eu jamais matei alguém, mas se chegar o dia em que isso será necessário, só o farei com a intenção de proteger esse lugar. Por que estou pensando nesse tipo de coisa enquanto procuro por visitantes perdidos? Não faço ideia. Mas… tem essa sensação. Como quando você sabe que tem alguém no seu quarto mexendo nas suas coisas pessoais enquanto você está afastado. Essa inquietação, talvez um pouco de revolta.

— Acho que vi algo — disse Lohan.

— É o cheiro da Lucie, sem dúvidas — Heike confirmou.

Sem esperar mais, corremos na direção indicada por Lohan.

— Lucieeee!

O grito da Heike ecoou pela floresta. Por entre a mata, duas figuras puderam ser distinguidas. São os dois visitantes que vi mais cedo.

— Heike! Lenarth! — a garota chamou.

Dois a menos, ótimo, agora só precisamos encontrar o tal do Dionathan.

Heike se aproximou dos dois.

— Ryu, Lucie, vocês estão bem?

— Sem problemas, só alguns arranhões — respondeu o híbrido.

— Agora só precisamos achar o Dionathan… espero que o Ciro ainda esteja no barco — Heike se virou em minha direção. — Lenarth, acha que podemos continuar a busca nessa escuridão?

— Sim, você e a Lucie devem voltar para a cidade, o Ryu pode me ajudar com a busca, certo? — olhei para o garoto raposa, ele me deu um sinal afirmativo.

— …

Heike não respondeu. Talvez ela realmente esteja se sentindo mal?

— Lohan, você pode levar as duas de volta?

Eu e Heike olhamos para ele para esperar uma resposta. Mas algo inesperado aconteceu.

Após alguns instantes de silêncio, a garota que encontramos falou.

— Com quem vocês estão falando?

Ah, essa sensação de novo. Não estão apenas revirando meus pertences pessoais, estão propositalmente mexendo em algo que não quero que seja tocado.

— Do que vocês estão falando? — Heike foi quem respondeu, por algum motivo não consigo falar. — Lohan está bem aqui, foi ele quem nos ajudou a encontrá-los.

Sim, Heike pode vê-lo. Lohan definitivamente existe. Ele definitivamente está aqui. Por que ele não diz nada? Quero perguntar a ele, mas nenhuma voz sai de minha garganta.

— Isso é alguma pegadinha? Heike, nem eu nem a Lucy estamos vendo ninguém… Lenarth?

Eles viraram os olhares na minha direção. Apenas Lohan continua indiferente a situação toda. Na verdade ele parece ainda estar atento, como se já tivesse voltado as buscas e não entendesse por que estamos parados.

— Lenarth, o que isso significa? Por que eles não podem ver o Lohan?

Realmente? Por quê?

Ah, e por que estou correndo? Tem algo de que devo fugir?

— Lenarth!!

Ouvi os gritos atrás de mim, mas não parei. Eu estou fugindo, mas não sei do que… da realidade? Não, não, isso não faz sentido. De onde veio essa ideia absurda? Sequer preciso estar correndo? 

VRRRRRRRUMMMMMMMMMMMMMM

Um tremor nem um pouco natural aconteceu. De onde veio? Corri na direção do som. Conheço esse caminho, sim, a caverna fica no final dessa trilha. Os anciões dizem que é uma caverna amaldiçoada então nem as crianças arriscam brincar perto dela. Sendo um necromante eu sei que ela não é amaldiçoada então não ligo para isso.

Espere, sei? Então por que sinto essa atividade demoniaca ficando cada vez mais intensa conforme me aproximo? Cometi um erro? Quando foi que eu vim investigar esse lugar mesmo? Será que não ignorei esse lugar propositalmente e apenas me forcei a acreditar que já tinha investigado esse lugar e não havia encontrado nada?

Parei de me mover por um instante.

O que é isso?

Pensando de uma forma lógica, nada disso faz sentido. Eu sai correndo com medo de algo e agora sinto uma presença que não deveria sentir. Que piada é essa? Que sequencia de eventos absurda é essa?

Pare, organize seus pensamentos.

Lohan. Por que eles não podem vê-lo?… Droga, não pode ser… ele está morto? Então… eu deveria ter percebido. Realmente posso ver espíritos por causa das minhas habilidades mágicas, mas deveria ser capaz de perceber a diferença entre um espírito e um ser vivo… E sendo assim, por que a Heike podia vê-lo? Não, estou pensando da forma errada, eu sei que a Heike não é apenas humana.

Droga… Lohan está morto? Por quê?

Não adianta pensar sobre isso agora, não tenho informação o suficiente. Por hora vou me preocupar com a caverna, tenho certeza que o tremor veio de lá.

Continuei me movendo. Está escuro, Lohan ficou com a lanterna, mas posso me guiar por essas arvores pela minha memória. Sei exatamente onde estou e sei o caminho sem precisar vê-lo. Mas eu não esperava por… 

— LENARTHH!!

… um ataque.

Tenho certeza que o nome dele era Dionathan. Ele é um dos visitantes. Mal tive tempo para perceber a faca em sua mão e desviar. Ele passou ao meu lado mas não caiu, Parou habilmente, apesar de não poder ver mais do que eu, e se virou para outro ataque. Não estou armado então tive que me afastar.

— POR QUE VOCÊ FEZ ALGO TÃO REPUGNANTE!? VOCÊ NÃO TEM VERGONHA DE SE CHAMAR DE HUMANO?!

Do que ele está falando? Me atacando dessa forma e gritando coisas incompreensíveis. Isso faz parte dessa sequencia absurda de eventos? Que droga é essa?

Sem tempo para pensar me afastei e fugi.

Como esperado, sou mais rápido na floresta. Ele sabe aonde estou, mas no escuro não consegue me perseguir eficientemente. E pelos sons de seus passos parece que sua perna está ferida. Droga, por que você está me atacando nessa situação?

— Dionathan!

Uma voz que não conheço surgiu. Dessa vez ouvi passos mais rápidos indo em direção ao meu perseguidor.

— Ciro? O que aconteceu?

Os passos dos dois pararam então também parei a uma distância segura, mas posso ouvir a conversa dos dois já que não há qualquer outro barulho. O tremor deve ter espantado os animais da área.

— Não há tempo para explicar tudo. Resumindo, tinha um demônio na caverna e agora ele tem um corpo e não consigo derrotar ele. Precisamos encontrar o invocador.

O que? Um demônio na caverna? É essa a origem daquele tremor?

— Então você chegou na hora certa. Estou perseguindo ele.

— Sério? Que coincidência é essa?

— LENARTH! APAREÇA! VOCÊ NÃO PODE MAIS FUGIR!

— Eh? Ele está aqui?

Eu? Está dizendo que sou o invocador de um demônio?… É verdade que posso fazer isso, mas jamais cheguei a me aprofundar nessa arte. Afinal, invocação de demônios exige o sacrifício de uma alma da mesma espécie do invocador. Ou seja, sendo um humano eu precisaria sacrificar outros humanos para realizar esse tipo de magia. Essa é a razão pela qual necromancia é uma magia proibida em primeiro lugar. Eu jamais faria algo assim.

Isso não é bom. Eles devem ter descoberto que sou um necromante e fizeram a ligação entre a minha presença e a presença do demônio na mesma ilha. Isso é um terrível mal entendido e essa não é a melhor situação para esclarecer as coisas.

Voltei a correr.

Confiante de que poderia fugir na floresta escura.

Se não fosse pelos poderes absurdos desses visitantes…

— Aquilo é…

— Ah, a Lucie, é verdade, ela veio com a gente. Boa, Lucie!

Eles ainda estão perto o bastante para eu ouvir a conversa deles.

Uma serpente gigante e alada apareceu no céu. Com a fraca luz da noite seria apenas uma silhueta. Mas a serpente está emitindo luz própria. Pior, a luz é forte o bastante para eliminar uma grande área. Sem a vantagem do escuro.

— Lá está ele!

Obviamente fui encontrado facilmente. Não parei de correr, mas dessa vez não é o Dionathan que está atrás de mim, é o rapaz que ele chamou de "Ciro". E ele está diminuindo a distância entre nós em um ritmo acelerado. Parece que ele não é um simples humano também. Por pouco desviei de uma lança que foi arremessada do meu lado.

— Lenarth!

Heike e os outros dois apareceram. Será que com eles aqui é possível resolver esse mal entendido? Ou eles vão me perseguir também? Nesse caso estou cercado?

— Ryu! Segure ele! — gritou Dionathan que apesar de não estar tão rápido, está se movendo em uma velocidade incrível para alguém que está mancando.

O híbrido é surpreendentemente rápido. Não é a toa, ele tem traços de raposa, a floresta deve ser tão natural para ele quanto sua sala de estar. Ele se aproximou tão rápido que quase me fez perder o equilíbrio. Cercado, fui segurado pelos dois braços, o direito pelo Ciro, o esquerdo pelo Ryu, e jogado no chão.

— O que é isso? — ouvi a voz da Heike.

— Saia da frente Heike. Eu vou esclarecer algumas coisas com ele agora mesmo.

Percebi uma espada se materializando na mão dele, não parece muito comprida ele realmente não tem intenção de lutar é apenas uma arma para me ameaçar em uma situação em que eu não posso revidar.

— O que você fez não tem perdão Lenarth, eu gostaria de matar você aqui mesmo… ah, como gostaria. Mas isso não me faria melhor do que você.

— Do que é… que você está falando?

Abri minha boca pela primeira vez em algum tempo, minha voz saindo com dificuldade por estar pressionado no chão.

— Se fazendo de inocente? Droga Lenarth, eu realmente quero matar você.

— Dionathan, pode nos explicar a situação? — a garota que encontramos mais cedo, acho que Lucie é o nome dela, foi quem pediu uma justificativa. Parece que nem todos sabem o que está acontecendo, talvez seja minha chance de esclarecer as coisas.

— Nosso "amigo" e "benfeitor" Lenarth, é na verdade um necromante. E não apenas isso, ele cometeu sacrifícios humanos para invocar um demônio.

A voz do Dionathan está carregada de ironia e más intenções. Ele parece não ter dúvidas do que diz. Como ele pode ter tanta certeza?

— Isso… não é verdade.

— NÃO MINTA! EU VI COM MEUS PRÓPRIOS OLHOS.

Após gritar, ele se aproximou de mim e começou a dizer em uma voz baixa, quase um sussurro.

— Sabe como eu sei? Diga Lenarth, você já foi um viajante não é mesmo? Você não pode ter viajado sozinho então o que houve com o resto da sua tripulação? Foram embora? Continuaram a viagem sem você? Não… sei muito bem o que aconteceu com eles. Eu vi eles. Os espíritos deles na verdade. Presos em sofrimento por causa do que você fez. Você os matou para invocar um demônio.

Isso é absurdo! É verdade que não viajei sozinho, mas… espere. Com quem eu viajei? Eu lembro de ter viajado com outras pessoas, lembro de conversas e situações que passamos juntos… mas por que não me lembro dos rostos e nomes? O que é isso? QUE PORCARIA ESTÁ ACONTECENDO AQUI?!

O que houve com as minhas memórias, o que é tudo isso acontecendo do nada? Até algumas horas atrás tudo estava perfeitamente bem… e agora…

— Não sei do que você está falando.

Não é mentira. Realmente não faço ideia de onde ele quer chegar.

— Eh?

Essa expressão de espanto veio do Ciro. Uma mão feita apenas de ossos surgiu do chão e segurou o braço dele, acho que ele tem o direito de estar surpreso. Droga, eu jurei nunca usar necromancia para violar as memórias dos mortos. Nossos antepassados são enterrados nessa floresta então o que estou fazendo é violar o túmulo dos meus próprios antepassados. Como cheguei a essa situação.

— Mas que…?

Ciro parece ser forte, mas os ossos tem força o bastante para mover o braço dele. Ryu também foi atacado, mas sem tanta força física, um esqueleto removeu as mãos dele de cima de mim facilmente.

— Você não vai fugir!

A faca banhada em uma aura estranha parou a um milimetro do meu pescoço.

— Lenarth, eu quero muito te matar, se você não parar de usar essa magia horrível na minha frente não sei se vou conseguir me segurar!

…Agora não tenho mais o elemento surpresa, não será tão fácil controlá-lo e não tem tantos esqueletos enterrados nos mesmos lugares. Droga, não esperava que um deles tivesse força física o bastante para resistir a um esqueleto. Esse Ciro também não deve ser humano, que grupo mais do que problemático.

Sem opção, parei de controlar os esqueletos e liberei as almas que usei para animá-los. Por um lado sinto um pouco de alívio, mas não muda a minha situação.

Droga, acho que estou tremendo. Acho que desisto. Não aguento mais essa situação, faça o que quiser droga! APENAS ME EXPLIQUE QUE PORCARIA TODA É ESSA!

— Espere Dionathan, vamos ouvir o que ele tem a dizer.

— Heike, você acha que existe uma justificativa para o que ele fez?

— Eu não sei, mas não consigo acreditar que o Lenarth tenha feito o que você disse. Eu estive com ele a tarde toda, ele organizou o vilarejo todo para tentar encontrar você o Ryu e a Lucie no meio da floresta quando vocês se perderam. Ele parecia realmente preocupado o tempo todo. Ele não é uma pessoa ruim, tenho certeza que tudo isso é um mal entendido.

— Então e esses esqueletos saindo do chão? Isso não é prova de que ele é um necromante?

— …Mas isso não liga ele imediatamente ao que você disse que aconteceu…

— Heike, desculpe mas tem algo me incomodando também. — Ryu que já voltou a segurar o meu braço foi quem disse. — Quando encontramos vocês dois, vocês disseram que tinha mais alguém com vocês e nem eu nem a Lucie vimos esse tal de Lohan do qual vocês falaram em nenhum momento.

— Heike, você viu os outros moradores do vilarejo? — Dionathan interferiu na conversa dos dois.

— …Bem… sim…

— Você não sentiu algo ao vê-los?

— …Eles… me faziam lembrar da Yuu. A sensação de estar perto deles era a mesma. Isso me incomodou um pouco…

Então era isso que estava incomodando ela… haha, Ela era a única disposta a me defender, mas parece que ela mesma tinha dúvidas desde o começo… tendo desistido, já não me importo mais. Apenas agradeci a ela silenciosamente por ter tentado acreditar em mim. Mas parece que a lógica toda da situação está contra mim .

— O que é isso Lenarth? Você sacrificou todos da vila também? O que é então? Está usando aquele demônio para atormentar a alma deles? Quantas pessoas vivas tem nessa ilha além de nós, hein?

Não me pergunte. Não faço ideia. Agora que estou mais calmo de alguma forma, percebi que o Dionathan está tremendo um pouco. Não de raiva, ele realmente parece estar hesitando. Isso é normal, ele não parece ser do tipo que mataria alguém por pouca coisa. Essa situação deve estar sendo difícil para ele também. Se pelo menos ele me deixasse esclarecer as coisas…

"HAHAHAHA NÃO SE FAÇA DE TOLO LENARTH, VOCÊ SABE QUE O QUE ELE ESTÁ DIZENDO É VERDADE"

?????

Todos mudaram o foco da atenção. Isso na verdade foi uma voz, mas a entonação fez parecer que estava vindo de dentro de nossas mentes.

— Anna? Você de novo? — ouvi Ciro falando enquanto a força que ele está usando contra mim diminui.

"ANNA? AH, VOCÊ DIZ ESSE CORPO? NÃO, EU JÁ ABSORVI O QUE PRECISAVA DISSO DAQUI. GAROTA TOLA, ELA REALMENTE ACHOU QUE PODIA DIVIDIR O CORPO COMIGO E SAIR ILESA DEPOIS. DEIXE-ME DIZER ALGO INTERESSANTE, ELA JÁ ESTÁ MORTA!"

Olhei na direção da voz. Realmente, posso ver uma garota que não combina em nada com a voz macabra que acabei de ouvir. Mas só por um instante. No momento seguinte, o corpo "explodiu". Não, ele apenas se desfez. Se livrou de partes desnecessárias como pele e órgãos. Como um demônio ele só precisa de um corpo de carne e osso para se mover e nada mais. Até olhos, cabelo, tudo o que era desnecessário foi arremessado para fora. Ouvi uma reação de susto de alguns deles.

…Como sei que ele é um demônio? Ah, é claro que eu sei. Fui eu quem invoquei ele.



Eu invoquei ele?

Espere.

Não, não!

Não, não, não não não nãonãonãonaoNÃONÃONÃO!!!

Não volte, não deixe essas memórias voltarem. Não…

— AAAAAAAAAAAAAAAAAAARGGGGGGGGGHHHHH!!



"LENARTH, A QUANTO TEMPO."

A voz se dirigiu a mim, não, não quero ouvir. Não quero lembrar, não me faça perceber isso!

"SINTO MUITO, JÁ É TARDE DE MAIS LENARTH. GRAÇAS A TODOS ESSES SACRIFÍCIOS AQUI EU NÃO PRECISO MAIS ME ESCONDER DE VOCÊ. ESSE É O FIM DE SEU SONHO."

Minha cabeça foi erguida pelos cabelos.

— Aqui está a nossa prova.

E uma faca foi colocada em meu pescoço.

— Você é o demônio, Akem Manah, certo? E esse infeliz aqui é o seu invocador, não é mesmo?

Todos ainda estão atordoados com a visão sangrenta que acabaram de ver, mas Dionathan já está negociando com o monte de carne e ossos a sua frente que a essa altura apenas vagamente lembra um ser humano.

"SIM, VOCÊ ESTÁ CERTO. ACHO QUE SEI AONDE VOCÊ QUER CHEGAR, REALMENTE NÃO POSSO PERMITIR QUE VOCÊ MATE O LENARTH, NÃO AINDA PELO MENOS."

— Sinto muito por isso, estou me sentindo um pouco descuidado hoje, talvez minha mão escorregue sem eu nem perceber.

Senti uma dor aguda no pescoço seguido por um certo líquido escorrendo em direção ao meu ombro.

Droga… ele está sério, eu vou morrer. Mas de alguma forma morrer não parece tão ruim quanto lembrar de tudo.

"HAHAHA, TOLO. PARECE QUE VOCÊ AINDA NÃO PERCEBEU A SUA PRÓPRIA SITUAÇÃO".

Tentei olhar para o rosto do Dionathan por um momento. De repente o rosto dele está tomado por um pavor imenso contrastando completamente com o perseguidor implacável de agora cedo.

Ah, entendo. O demônio está atrás dele. A voz dele estava vindo de uma certa distância antes, mas em um instante ele está atrás do Dionathan e não apenas isso, está segurando… não, ele já destruiu a faca que o Dionathan estava usando.

"O ÚNICO MOTIVO DE VOCÊS AINDA ESTAREM VIVOS É PORQUE NÃO QUERO DESPERDIÇAR A ALMA DE VOCÊS. ACABEI DE ASSUMIR ESSE CORPO ENTÃO ELE NÃO ESTÁ PRÓPRIO PARA ABSORVER ALMAS AINDA."

— Maldito… não ache que pode brincar com a gente! — Ciro avançou para cima dele.

"OPA, NÃO VÁ SE APRESSANDO DRAGÃO. NÃO ACHE QUE PODE ME VENCER AGORA SÓ PORQUE ESTAVA MAIS OU MENOS NO MEU NÍVEL ENQUANTO EU AINDA ESTAVA ME AJUSTANDO NESSA ROUPA NOVA."

Não pude ver a luta, só vi quando o Ciro foi arremessado contra uma árvore, seu corpo como um projétil a destruiu e ele só parou quando colidiu com o segundo tronco que ficou a beira de se partir em dois também.

"HMMMM, ESSE CORPO AINDA É MUITO PEQUENO, TALVEZ EU DEVA ADICIONAR MAIS COISAS A ELE."

Dionathan se afastou de mim, Ryu também, pela primeira vez em algum tempo estou livre para me mover. Me levantei de vagar para evitar que eles achem que tenho alguma intenção ruim.

Vendo a cena diante de mim, entendi porque eles se afastaram tão abruptamente.

"ESSA GAROTA É UM DRAGÃO PURO? QUE COISA RARA. SERÁ UMA PENA DESPERDIÇAR ESSA ALMA, MAS ADICIONAR PARTES DELA AO MEU CORPO IRÁ FACILITAR MUITO AS COISAS."

— SOLTE ELA! — Dionathan gritou materializando uma espada banhada no mesmo tipo de aura que a faca.

Mas o demônio, um amontoado de carne que apenas levemente lembra um humano e ainda está escorrendo sangue e gordura pelos poros, apenas apareceu em outro lugar e continuou seu monólogo. Segurando a Heike pelo pescoço sem qualquer dificuldade enquanto ela se debate para se soltar e tentar respirar.

"APESAR DE QUE EU PODERIA FAZER ISSO DEPOIS DE ABSORVER A ALMA DELA TAMBÉM… MAS UM CORPO QUE PERDEU SEU ESPÍRITO NÃO TEM A MESMA ESSÊNCIA, ESSA CARNE E ESSES OSSOS SÃO PRECIOSOS DEMAIS PARA SEREM MAL APROVEITADOS. NÃO TEM JEITO, ACHO QUE VOU TER QUE ABRIR MÃO DESSA ALMA."

Como observação adicional… eu me lembrei de tudo. Não pude evitar que essas memórias horríveis invadissem minha mente, principalmente com a aparição de Akem Manah. Ele não está na mesma forma que usava na primeira vez que o vi, mas posso reconhecer um demônio pela essência dele.

Eu sou um assassino.

Sou um invocador de demônio.

Sou um pobre coitado tentando fugir da realidade.

Sim, ainda estou tentando. Mesmo tendo lembrado de tudo, minha existência como um todo rejeita essas memórias. E sei por fato que vou me perder nessas lembranças falsas novamente. O fato de que nesse momento estou aceitando a realidade como ela é, é apenas porque não quero que esse demônio continue tocando nessa garota que foi a única que esteve disposta a me defender mesmo quando todos os amigos dela estavam claramente me ameaçando.

O olhar de desespero nos quatro ao assistirem sem poder fazer nada enquanto o demônio brinca com os cabelos dela pensando no que fazer a seguir só serve para me deixar mais irritado.

— AKEM MANAH! — gritei!

A atenção de todos se concentrou em mim.

Inclusive a de demônio. Ele apontou os espaços vazios aonde deveriam haver olhos para mim. Se ele fosse humano, seus olhos estariam arregalados nesse momento.

"LENARTH? NÃO PODE SER, VOCÊ SE LEMBROU DE TUDO?"

— Largue ela — eu disse calmamente sabendo que ele não pode me desobedecer.

"ESQUEÇA LENARTH! VOLTE PARA SEU MUNDO DE FANTASIA! A REALIDADE É DOLOROSA DE MAIS PARA VOCÊ! CONTINUE SONHANDO ATÉ O FIM! É ISSO O QUE VOCÊ QUER!"

No instante seguinte o demônio se partiu em dois.

Na verdade o que se partiu foi o corpo da garota que ele tinha possuído, mas agora ela já está morta. E no final das contas, isso é um corpo morto. Ele não pode se mover se eu disser para não se mover.

Como fiz o demônio se dividir em dois em um corte perfeito na cintura? Não preciso de uma lâmina como o Dionathan. Para dividir ele, eu usei a própria mão dele.

É claro, controlar um corpo que está possuído por um demônio não é simples. Portanto, eu fiz duzentas almas entrarem nesse corpo em um instante. O bastante para pegá-lo de surpresa.

De onde vem essas duzentas almas? São os moradores da vila. Todos mortos. Sim, todos eles estão mortos e sofrendo. E não satisfeito acabei de usar a alma deles para enfrentar um demônio. Isso é tão ridículo que me faz querer vomitar.

— Eu disse para soltar ela.

Andei em direção ao demônio. Só preciso cancelar o contrato agora e em seguida morrer de desgosto comigo mesmo por todas as mortes das quais sou responsável.

Mas quando toquei o corpo do demônio…

Ah, que estúpido. Eu não consigo.

Não tenho coragem para forçar o fim do contrato com minha própria força de vontade.

Haha, o que foi que eu me tornei?

Eu queria tanto ter poder e agora estou aqui, no fim da minha vida não consigo nem reparar meus erros estúpidos.

Então pelo menos vou destruir de vez esse corpo que já sofreu tanta violência.

Afastei a Heike com uma mão. Agora que percebi que nenhum deles disse nada durante isso tudo. Bom, não importa. Chutei a parte do corpo dele mais próxima até a sua outra metade e estendi minha mão. Isso é tão simples que nem precisei me concentrar muito e o corpo entrou em combustão espontânea emitindo um fugo azul. Em questão de minutos o corpo foi totalmente destruído e agora o demônio não tem mais um corpo…

Mas ele vai voltar. Em forma espiritual ele é livre para roubar qualquer corpo vazio ou cuja alma já presente aceite sua intromissão. Não precisa ser humano, ele pode juntar corpos de animais e formar o corpo que bem entender. Então é isso, ele vai usar os corpos das manticoras imagino. Olhei para os cinco visitantes. É por causa da presença deles que Akem Manah está ativo. São cinco almas frescas e poderosas, com isso ele pode se livrar do contrato e então se livrar de mim.

Me virei lentamente para encara o grupo.

Não tenho muito tempo, mas preciso esclarecer algumas coisas rapidamente.

Sem perder tempo analisando suas expressões de espanto e confusão, comecei a falar.

— Antes de mais nada, preciso deixar claro. Se quiserem fugir, agora é a hora. Os remédios que dei a vocês é tudo que vão conseguir dessa ilha. Aquele demônio irá voltar e não levará muito tempo, na verdade ele já deve estar reconstruindo seu corpo nesse instante.

— Espere um pouco Lenarth! — Dionathan ergueu a voz. — O que está acontecendo aqui? Aquele não era o demônio que você sacrificou seus próprios companheiros para invocar? Por que você fez aquilo!?

— A explicação toda é longa e provavelmente não irá satisfazer nenhum de vocês. É perda de tempo, e como eu disse, vocês não tem mais tempo se quiserem fugir.

— Nós é quem decidimos isso! — Ryu interferiu.

Ciro acrescentou:

— Se realmente acha que não temos tempo, é melhor começar a falar logo.

Suspirei, derrotado. Olhei nos olhos de cada um dessa vez. Dionathan parece irritado e apreensivo ao mesmo tempo, acho que ele está confuso e não sabe ao certo como agir. Ciro é quase o mesmo, mas sinto uma certa indiferença quase imperceptível vinda dele. Ryu é o que parece estar mais estressado com isso tudo, mesmo agora ele ainda parece manter a mesma expressão que tinha quando o demônio estava atacando. Lucie parece não mudar muito de expressão, olhando bem ela não parece estar completamente imparcial quanto ao que aconteceu, mas é difícil ler sua expressão. E Heike… de alguma forma, seus olhos parecem ter expectativas, estranhei isso a princípio, mas fez sentido quando ela disse:

— Conte… eu… não, todos queremos saber o que houve aqui.

Entendo, parece que não tenho escolha. Mas mesmo assim… não há tempo. Então só disse isso:

— Não há justificativa para o que eu fiz…



Intermission: Heike

— …Não posso nem dizer que foi pelo meu povo, foi pelo meu próprio egoismo.. Tudo começou um ano atrás, quando coloquei os pés naquela caverna. Eu realmente matei meus companheiros de viagem para invocar um demônio. Mas o que eu fiz foi errado… eu sempre soube, mas mesmo assim não tenho forças o bastante para acabar com isso. Não posso parar. Não resta mais nada a mim. Por isso, a única forma de acabar com isso…

Ele parou de falar por um instante.

E com isso as luzes que vinham da invocação da Lucie desapareceram.

Não porque ela cancelou a invocação ou ficou sem poder.

Mas porque a criatura foi destruída.

Mesmo sendo um dragão, não sou uma espécie de hábitos noturnos e é impossível para mim ver no escuro.

Tudo o que eu ouvi foi.

— É a minha morte.

Seguido por um alto som de arvores caindo ao nosso redor e entre elas um sussurro de uma voz que lembra a do demônio de alguns momentos atrás.

"Você não vai morrer Lenarth. Não até que seja tarde de mais e eu não precise mais de você."

Dionathan invocou uma espada, a iluminação que a aura dela produz não é o bastante para podermos ver muito longe, mas é o bastante para conseguirmos enxergar uns aos outros.

— Ryu, leve a Lucie e a Heike de volta para o barco. Você provavelmente é o único aqui que pode ver no escuro, deixei marcas ao longo do caminho, é só seguir as instruções que deixei.

Ryu pareceu hesitar um pouco, acho que ele não quer ser deixado para trás. Na verdade, nem eu quero.

Ciro e Dionathan começaram a correr na direção do vilarejo enquanto Ryu segurou eu e a Lucie pelo pulso e começou a nos puxar.

— Cuidado por onde pisam, vou avisar se tiver algum obstáculo no caminho.

E assim começamos a correr.

…O que os dois vão fazer? Eles não iriam realmente… matar o Lenarth, certo? O que vai acontecer?

Por que foi que achei o Lenarth tão parecido com o Rodrigo? O que é que eu queria? Por que foi que eu vim até aqui? Eu não estava tentando entender melhor o Lenarth para aprender mais sobre as pessoas ao meu redor? Isso não quer dizer que não me importo com ele, claro que me importo. Foi pouco tempo, mas eu vi a forma como ele se relaciona com o seu povo, vi a forma como ele vive, eu conheço ele um pouco melhor do que os outros aqui.

Está tudo bem em não ver o que vai acontecer?

Realmente não posso fazer nada por ele?

De repente ficou claro. Fogo. Parece que quando a caverna desmoronou algo acabou pegando fogo.

Lenarth disse que tudo começou quando ele colocou os pés na caverna. Então talvez eu descubra algo…

Me soltei das mãos do Ryu.

— Heike!

— Desculpe, eu realmente não posso simplesmente fugir assim!

Comecei a correr. Sei que o Ryu e a Lucie vão vir atrás de mim e terei que explicar para eles o que quero fazer, mas posso explicar isso quando estivermos lá.

Realmente, não posso ficar apenas esperando notícias.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Capítulo 6 - The Dead Remains of a Necromancer's Past - Parte 3

Intermission: Anna.


Essa ilha está doente. Estou certa disso.
Sou uma Undine¹, uma ninfa da água, logo tenho uma capacidade singular de detecção de organismos que possuem bastante água na estrutura, como humanos.
Essa ilha está vazia, com exceção dos Royal Dark Knights e de mais uma pessoa. E há uma presença muito mais assustadora que o dragão que me persegue se escondendo em uma caverna.
Não tenho como derrotar ele em um combate direto. Porém, se eu correr até a caverna que vi antes de  lutar contra o Hangedman, pode ser que eu encontre uma forma de poder lá que me permita lutar contra ele e sair viva.

Intermission: Ciro


Continuei correndo atrás do cheiro da Anna, ela não conseguiria escapar por muito tempo.
Perseguindo ela agora através de uma trilha entre uma mata, senti o cheiro familia do Ryu, porém não tenho tempo de ir conferir o que está fazendo. Só espero que ele não venha me perseguir.
Enquanto corria atrás dela, tive muito cuidado com minas escondidas porém não consegui evitar todas e isso me atrasou um pouco.

Intermission: Anna


Finalmente cheguei... espero que não tenha me encurralado. Ao olhar pela caverna, quase não consegui identificar o que havia no seu interior.
Uma mesa rústica de madeira com um livro com símbolos escritos em sangue e páginas de pele humana acima dela. Uma faca com sangue seco.
O cheiro desagradável de morte exalado daqui quase me fez ignorar o que se encontrava no fundo da caverna, preso em correntes mágicas: Um monstro negro humanoide com mais de 2 metros de altura, cabelo enorme que cobria seu rosto, vestido com trapos e com tatuagens tribais espalhadas pelo seu corpo seminu.

Intermission: Ciro


Mesmo correndo mais rápido que ela, só consegui chegar perto a ponto de vê-la perto de uma caverna que exalava um cheiro de cadáveres.

- O que veio fazer no meu recinto? O Lennarth mandou mais comida pra mim? Já era hora. Ele parece ter esquecido de que ele me deve mais do que a própria vida. - disse uma voz profunda vinda do fundo da caverna.

- Não sei quem é esse, mas vim aqui pedir suas forças emprestadas... estaria disposto a fazer um contrato? - disse Anna - Meu corpo para servir de seu avatar em troca da vida dele! - e então ela apontou pra mim.

Isso é mal. Ninfas tem uma afinidade muito grande com espiritos, provavelmente ela perderá seu corpo pra sempre. O problema mesmo será me livrar desse demônio; só será possível se quem o invocou quebre o contrato original.

Mas quem diabos invocou ele no fim das contas? E por quê? To sentindo que não vou descobrir quem fez o barco voador ao qual atracamos ao lado nas docas...

- Um corpo fraco como o seu? O que a faz achar que tenho interesse no corpo inútil de uma Undine?

- Eu sei que você não tem uma forma física no momento. Depois de matá-lo, poderia vagar livremente para procurar um corpo mais apropriado, não é?

- O contrato está selado. Apesar de que não poderei sair dessa caverna enquanto tiver o contrato com o Lenarth, logo resolverei esse problema.

E então rapidamente o demônio, se transformando em fumaça, entrou na boca da Anna. Os cabelos de Anna rapidamente se tornaram negros, sua reveladora armadura leve se transforma em uma armadura completa e pesada totalmente negra. 
O demônio então levanta seu braço direito perpendicularmente ao corpo e uma espada quase maior que o corpo de 1.60 de Anna é invocada. 
Atrás de mim a caverna se fecha, e fico preso numa caverna com aproximadamente 15m de raio. A falta de luz não é um problema pra mim nem pra ele, mas se ocorrer um desmoronamento só eu tenho a sair perdendo. 
Tenho que sair daqui. 

- Vamos acabar com isso logo! - disse o corpo de Anna, agora com uma voz masculina. Droga, odeio homens com aparência de mulher.

Com uma velocidade incrível  o demônio avança contra mim e dá um corte na diagonal o qual pareio com dificuldade. 
O peso do corpo, mesmo com armadura, é muito pouco e só por causa disso não fui arremessado pra trás.
Contra uma espada de tamanho normal eu teria vantagem mas o tamanho absurdo daquela espada me atrapalhava na luta.
Comecei a desviar dos golpes da espada ao invés de pareá-los, sempre estocando minha lança em direção a um ponto vital dela quando via a chance porém ela conseguia evitar ser ferida letalmente, levando somente arranhões.

- Deve ser bom não sentir dor por usar um corpo alheio, hein demônio?

- Não tenho tempo pra brincar com você, o Lennarth está vindo. Desapareça! Banishment this world! - E com essas palavras mágicas, do balançar de uma espada saíram chamas negras que me arremessaram na recém-fechada entrada da caverna, quebrando-a e me mandando em meio ao bosque. 

Não fosse pela minha forma draconiana eu  teria certamente morrido.
Já sem forças para manter minha transformação, sinto minha pele latejar. Minhas escamas começam a cair. Lentamente volto a minha forma humana.
E com minha forma humana, a dor inunda meu corpo.
Parece que engoli espadas, além de ter queimaduras na pele.
É meio irônico eu, um dragão, ser acertado por uma chama tão forte que atravessa minha epiderme. Ando muito destreinado. 
De qualquer maneira, tenho que encontrar a pessoa que invocou esse demônio. Parece que terei que voltar lá pra apanhar mais uma vez. 

¹ - Undine: Ninfa aquática nascida em tribos perto a rios e lagos, evita contato com outras raças. Possui uma afinidade natural com magias de água e brancas. Há relatos de humanos que, atraídos pelos cabelos azulados, pele branca como neve e corpo volumoso das ninfas, sumiram e reapareceram misteriosamente congelados.
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