segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Side Story 4,5 - Guardas do Império - Parte 1



Intermission: Sanchez

Abri a porta e entrei na sala. Todos os olhares se concentraram em mim.

— Ei, veja, aquele não é Sanchez?

— Você diz aquele cara, que ficou para trás e deixou todas as responsabilidade em cima do Big Pig?

— Pobre Pig, vai ficar mais duas semanas no hospital.

CALADOS! CALADOS! CALADOS! Mas os sussurros ao meu redor não param. Vocês acham que eu queria que aquilo acontecesse? Foi um momento de azar! Acontece! Droga! Pig é meu amigo também.

— Cof, cof! — O diretor, em cima do palco, chamou a atenção de todos. Procurei uma cadeira vazia e me sentei. — Parece que todos estão aqui, então vamos começar.

Ele puxou uma corda, e uma enorme foto de uma ilha voadora apareceu atrás dele.

— Como vocês sabem, mes passado, mais uma cidade foi saqueada pelos Royal Dark Knights. E mais uma vez, nossas forças não foram capaz de impedir o ataque deles.

Pelo menos não sou o único me encolhendo ao ouvir isso.

— Alguém aqui, pode me explicar, o motivo de tantos fracassos?

O olhar de condenação dele vagou por todos na platéia. Todos abaixaram a cabeça, apenas uma garota levantou a mão.

— Oh? Diga.

— Sim, senhor! A razão pela qual nossas tropas são constantemente derrotadas é por causa da diferença na nossa força de combate! Os três membros deles que mais enfrentamos, Dionathan, Ciro e Rodrigo, são muito superiores em termos de combate. E pouco se sabe sobre a força dos outros membros.

Ela é ousada, para chamar todos aqui de fracos. Posso perceber vários olhares repreensivos na direção dela. Mas o diretor parece ter gostado dessa ousadia dela.

— Você é uma das novatas, certo?

— Sim, senhor! Cadete Emily Kristin se apresentando! Fui incorporada no mês passado!

— Muito bem, Emily Kristin, você saberia nos dizer, quais são os pontos fortes dos três que você citou?

— Sim, senhor! Dionathan é um mestre espadachim, capaz de criar espadas e lâminas usando seu poder mágico. Não existe mais nenhuma pessoa no mundo, que se saiba a respeito, capaz de usar o mesmo tipo de magia dele! Ciro é um mecânico, mas suas habilidades ao usar lanças é monstruosa, nossos membros que enfrentaram ele, dizem que ele possui uma força quase desumana. Sem falar que ele é invencível, ao pilotar um mecha de combate! Rodrigo, originalmente um mago branco, mas suas habilidades com armas de fogo só são comparadas pelas nossas forças armadas. O perigo dele está menos em sua pura força de combate, e mais em sua capacidade de se adaptar a situações, não importa em quanta desvantagem esteja!

Os olhares repreensivos focados nela, ainda não sumiram completamente. Mas agora posso ver algumas pessoas assentindo.

— Obrigado pela sua explicação, cadete Emily.

— Foi um prazer, senhor!

— Além disso, temos dificuldade em saber aonde eles irão a seguir. Jà que o movimento da ilha deles parece ser completamente aleatório. O que nos impede de deslocarmos nossas forças com precisão — todos concordaram com as palavras do diretor. Isso nem precisa ser dito. Não conseguimos prever os movimentos deles, e é impossível entrar na ilha, então só podemos esperar eles saírem. E como não sabemos aonde eles vão sair, só podemos dividir nossas forças entre os possíveis alvos. Não temos muitas opções.

A reúnião continuou por mais uma hora.

— Com isso, não vejo mais necessidade de prolongar essa reunião. Quero que todos pensem em uma forma de derrotá-los e apresentem seus planos na próxima reunição.

Todos se levantaram e começaram a sair. Resolvi esperar um pouco para evitar o "congestionamento". Percebi o diretor passando pela minha fileira. Estranho, ele deveria ser capaz de sair por trás do palco. Um suor frio escorreu minhas costas quando percebi que ele está vindo em minha direção. Espere, por quê? Eu fiz algo de errado? Aconteceu algo? Tenho certeza que não criei nenhuma confusão desde a última luta!

— Sanchez!

— Senhor!

— Você é a pessoa perfeita para isso. Escute, quero que cuide pessoalmente do treinamento da cadete Emily.

— …Hai?

— Sei que pode parecer súbito, mas você é a pessoa mais qualificada para o trabalho.

— Eh? Mas… — acha mesmo que pode confiar o treinamento de alguém, a um fracassado como eu? Era o que queria dizer…

— Sanchez.

— Senhor?

— Todos cometem erros, não vou desmerecer um de meus melhores homens por um momento de azar. Apenas tome mais cuidado daqui em diante.

— … — O mundo ficou rosa. Não sei como, mas rosa, é adorável de alguma forma. Sinto vontade de pular de alegria.

Satisfeito, o diretor se afastou, dizendo: — Então, conto com você! Fácil de manipular como sempre.

Sinto que ouvi algo rude no final, mas decidi não pensar nisso. Sim, tenho uma missão, não há tempo para pensar em coisas desnecessárias. Emily se aproximou e se curvou.

— Então, conto com você, Senpai!

— Sim. Qualquer dúvida, pode perguntar para mim.

Ela ergueu o rosto e pensou por um instante. Agora que parei para reparar, ela não é um pouco pequena de mais para estar nesse emprego? Achei que a altura mínima fosse 1,60? Talvez seja menor para mulheres. Ela têm longos cabelos loiros, levemente ondulados e olhos verdes. Ela seria muito bonita se fosse um pouco mais alta. Como mentor dela, tenho que garantir que um pedófilo, como o Rodrigo dos RDK, jamais se aproxime dela.

PUNCH!

Ouch! …Da onde veio isso? Posso jurar que levei um soco… mas não fui atingido por nada… que diabos é isso?

— Então, Senpai, por que todos chamam o coronel de "diretor"?

— Certo, responderei todas as suas perguntas, menos essa.

— Eh?

— Isso é algo que deve morrer com a nossa geração. Acredite em mim.

— Ahn… entendo. Desculpe por perguntar algo rude, Senpai!

— Você não precisa ser tão formal. Você já passou pela escola de cadetes, agora você é uma de nós.

— Desculpe, tentarei corrigir isso. Só peço algum tempo para me acostumar.

Sinto que ela é muito rígida. De qualquer forma…

— Bom, já está tarde por hoje. Volte para o seu alojamento, começaremos seu treino amanhã.

— Sim, Senpai!


***


Fui até a sala de registros, para solicitar a ficha da Emily. 

Mas é impressionante, ela tirou, de longe, as melhores notas dos cadetes desse semestre. Não apenas notas, o desempenho dela é excepcional. Chega a ser absurdo. A marcação de seus atributos, tirando força física, são todos A para címa. Bom, é de se esperar que alguém do tamanho dela não tenha muita força. Mas agilidade e reflexos S? Ela é claramente melhor do que eu era ao ser aprovado. Por que eu sou professor de alguém assim? Deixando aptidão, e falhas de lado, ela deveria estar sendo treinada por um dos três mais fortes. Tenho certeza que aquele gatuno ou o alqumista, seria escolhas muito melhores para o tipo dela. Então, por que eu? Continuei virando as folhas, 

Ah, entendo… então ela é esse tipo de personagem, huh. Li mais uma vez o resultado da avaliação prática dela.

"A cadete em questão possui um incrível potêncial, e é de longe a melhor entre os cadetes. Mas seu desempenho prático deixa a desejar. Seria irresponsável reprovar alguém de tanto potêncial, apenas por isso, mas é necessário que mais esforço seja investido nessa área, para que a instituição possa desfrutar de todo o potêncial da cadete."

Entendo, exatamente como eu, hein? Sim, eu também fui o melhor no meu ano, embora não tão bom quanto ela. Mas na prática, na hora de agir, as coisas simplesmente não funcionavam tão bem quanto no treinamento.

Não preciso de mais explicações, sei exatamente o que fazer agora.


***




— Err… Senpai?

— Sim?

— O que é isso?

— Uma arma.

— Não, eu posso ver isso. Mas por que está me dando isso? Não íamos treinar hoje?

— Entendo, você normalmente não usa armas de verdade, com munição de verdade para treinamentos. Hummm, bem pensado. Muito bom cadete, você foi aprovada no teste.

— Eeehhh? Como assim!? Espere um momento! Não estamos indo rápido de mais?

— Você quer mais treino? Ok, tente me atingir com essa arma.

— NÃO POSSO ATIRAR COM UMA ARMA CARREGADA EM VOCÊ!

— Não se preocupe, isso é um treino para mim também. Assim os dois saem ganhando.

— Impossível!

— Tsc, você é muito fresca. Você não vai chegar a lugar nenhum se não tiver a determinação para puxar o gatilho.

— Sua declaração faria todo o sentido se esse fosse um caso de vida ou morte. Mas eu não vou atirar em um aliado!

Ela está ficando frustrada. Perfeito.

— Aaah. Desculpas e mais desculpas, pegue essa arma logo e atire na minha testa!

— Isso já não é mais um treino! É UMA EXECUÇÃO!…

Ela gritou com tanta força que está ofegante agora. Uau, nunca vi ninguém ficar tão cansado apenas de falar.

— Tudo bem então, se não quer atirar em mim com uma arma… que tal um arco e flecha?

Ah, ela está tremendo de raiva. Incrível, não achava que isso era realmente possível.

— Senpai. Por acaso… você é um idiota?

— …Sim! Exatamente! Perfeito!

— Eh? — Agora toda a raiva dela virou confusão.

— Incrível, eu queria que você percebesse isso, mas não achei que você diria isso de forma tão clara. Como esperado de uma aluna exemplar. Hum hum… agora podemos avançar com o plano, isso pode ser mais rápido do que eu esperava…

— Err… Senpai?

— Espere um momento, você me surpreendeu, preciso adequar melhor o plano.

— …? Isso fazia parte do plano?

Ahh, ela está fazendo muitas perguntas, não vou conseguir pensar se tiver que responder todas. OK, vou ignorá-la. Dei minhas costas para ela.

— Eh? Não me ignore! Me explique o que está acontecendo!

Bom, acho que devo pelo menos descobrir como ela luta antes de ir ao plano principal. Certo, farei isso.

— Bom, é isso. Cadete, pegue o que quiser dos equipamentos, vamos treinar.

— Você não podia ter dito isso desde o começo?

— Não faço idéia do que você está falando.

— …Ah, hai hai.

— Esse é o espírito, Emily!

Ela claramente não está animada. Mas está tudo bem. Com o tempo vou fazer ela mostrar do que é capaz. Apressar de mais as coisas nunca é bom, afinal de contas.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Capítulo 4 - Situação Cabeluda - Parte 1


= Opening =


          
 Intermission: Dionathan

- Ele... Acordar...

Junto a essa frase, vieram outras desconexas. Por ainda estar sonolento, é difícil prestar atenção nos arredores. Ainda mais quando não se tem a mínima vontade de encarar o dia que se tem pela frente.

Vão embora. Eu não quero crescer, não importa se a vida bater na minha porta, eu não vou abrir!

- Cabelo...

Espera...  Cabelo?

Abri os olhos e me deparei com dois vultos. Dois borrões que lentamente tomavam forma. O mais distante era Heike em sua forma humana, e bem na minha frente, Nathy, que estava com as mãos na minha cabeleira.

- Eu disse que ele ia acordar...

- Xiu,fale mais baixo! – Nathy sussurrava enquanto mexia de uma forma estranho no meu couro cabeludo. – Ele ainda não despertou.

- O que diabo vocês estão fazendo a essa hora? – disse com voz de zumbi – Esse é o dormitório masculino...

Dito isso, deslizei a mão pela minha cabeça tentando descobrir a resposta por minha conta, e...

...

- AHHHHHHH! – Joguei todos os travesseiros que estavam por perto nas duas e mais o despertador.

Sem muito êxito. Infelizmente, eu não sei disparar ou arremessar nada que não tenha uma lâmina de corte.
Não que isso faça algum sentido. Bom, eu acho que nada por aqui faz sentido pra começar.

-Meu cabelo... Está... Cheio de nós! Argh, por quê?! Que droga de elásticos são esses?! Suas pirralhas...

- Grande coisa! – Nathy mostrou sua língua – Não tem nada natural aí mesmo!

- O que...?! – vergões apareciam na minha testa.

- Isso não vai dar em boa coisa... – Heike corria em círculos com a Nathy.

Sim Heike, você está completamente correta!

- Não se preocupe, Hei-chan. O Chapa-pura não nos acertaria nem se fosse bom de mira.

...

- AHHHHHHHHH! – invoquei uma espada de duas mãos. – NATHÁÁÁÁÁLIIIAAA! VOLTE AQUI!

- Como se eu fosse mesmo fazer isso!

Nathy e Heike passaram pela greta da porta do dormitório que estava semi-aberta e desceram as escadas correndo.

Eu segui o mesmo caminho, no entanto, ao abrir a porta senti uma familiar sensação que me fez parar onde estava.

Congelei, assim como os meus sentidos. E então o frio absurdo consumiu toda a minha preocupação.
Água. Água escorria por todo o meu corpo, da cabeça aos ombros, enquanto  o barulho de um balde metálico rolando escada a baixo ecoava pelo andar.

Eu não acredito que caí nesse truque de novo.

*

- HAAAAAAAAAAAA-DIIIIIIIIIISH!

O bar inteiro tremeu, inclusive o copo de suco de laranja que estava em minhas mãos.

- Hadish? Isso é um espirro por acaso, Margarida?

- Não se incomode, é apenas minha idiotice transbordando em forma de vírus. Apenas torça para que você não seja infectada por ela.

Estávamos no Bar Sashiburi do Oeste, com nossas posições basicamente invertidas; eu sentado em um dos bancos próximos ao balcão tomando do clássico suco de laranja e Noilma do lado de dentro, folheando um livro chamado “Paradise Island”.

Entre uma folha e outra, suas expressões mudavam drasticamente. Mas posso dizer que um semblante de surpresa e curiosidade sempre estavam presentes em sua leitura.

- Que livro é esse?

- É um livro-catálogo. Ele trás informações de ilhas que foram descobertas nesse mundo até hoje.

- Eh? Isso é sério? A Izanagi está listada aí?

- Não... Acho que por ser uma Flying Rogue, não a incluíram. Mas há muitas ilhas listadas aqui que já visitamos.

Minha atenção se desviou da conversa por alguns instantes.

Logo atrás de mim, Andy se dirigia para o andar de jogos com uma placa de ferro nas mãos. Não que isso realmente seja algo importante... Mas ei, alguém dê algum trabalho descente pra esse cara fazer. Não há razão em ficar transportando placas de ferro!

Resolvi deitar a cabeça no balcão.

- Eu preciso dormir.

- Mais? Já não foi o suficiente?

- Você não sabe o quanto é cansativo desembarcar com aqueles caras... E fica mais complicado quando ninguém deixa você descansar.

- Sabe, isso não aconteceria se você deixasse o seu cabelo no estado natural. Talvez raspar...

- MALDITA, DE QUE LADO VOCÊ ESTÁ?! – levantei a cabeça, gritando.

Recuperei o fôlego e a postura, bebi um pouco do suco e retomei:

- Não se manda um samurai raspar sua cabeça! – continuei - Seu cabelo faz parte de sua honra! É uma parte tão importante quanto um braço ou... Ou... Ou o umbigo!

- Tem certeza disso?

- HAAAAAAAAAAAA-DIIIISH!

Noi suspirou.

- Sabe, você deveria se secar antes que pegue um... – ela parou sua frase no meio e ficou em silêncio.

...

- Hã? Um...? – Indaguei.

- ...

- ... - ???

- Preguiça de terminar.

Uma sweatdrop apareceu em minha cabeça.

- “...antes que pegue um peixe mágico e se torne um mestre Kung-fu”, certo?

- Errado.

- Entendo.

Não, eu não entendo. Não há como alguém ter tanta preguiça. Ainda mais se for uma das pessoas que mais passam tempo nessa lataria! Existem limites para se cansar enquanto lê um livro!

Eu e Noilma seguimos conversando por mais alguns minutos no Sashiburi. O assunto não parava de surgir.

De alguma forma, as coisas fluem bem quando se conversa com ela. É difícil de explicar, talvez tenha a ver com sua personalidade, talvez com sua profissão, ou talvez não tenha haver com nada. É complexo, mas, fora isso...

Que melodia familiar. Isso está vindo... De um violão?

Virei minha cabeça e olhei para a varanda que ficava na direção oposta. Ryu estava sentado do lado de fora tocando uma música suave ao vento.

Me virei de volta, e dei de cara com Noilma também o encarando.

- Ele ainda não conseguiu se misturar com o pessoal da Izanagi?

- Aos poucos ele consegue. Ainda é cedo pra dizer isso.  

- Deve ser um pouco difícil depois do que passou. – Noi levantou ambas as mãos de forma simétrica na altura dos ombros e fez movimentos repetitivos de abrir e fechar – Aquelas orelhas de raposa... Eu preciso apertá-las.

- A situação ta cabeluda, ele realmente parece uma pelúcia ambulante.

BA DUM TSS.

- DIO,SEU MALDITO, EU OUVI ISSO! – berrou parando de tocar o violão.

Droga.

Em seguida, Andrew mais uma vez retornou para o andar onde estávamos. Ele caminhou entre os móveis olhando para o chão à procurando de algo.

Andou, andou, andou, e finalmente contornou e retornou para o andar de baixo, sem nem mesmo perceber nossa presença.

E então, a música voltou a ser tocada por Ryu.

- O que deu no Andy?

- Não sei, está assim desde que vocês voltaram.

- Sem dúvidas ele perdeu seu lado normal naquela ilha. Deve estar procurando por um novo.

- Na Izanagi? Isso não faz sentido.

- Tem razão. Ponto pra você.

- Bom, é só que... Se fosse isso, ele não precisaria ter instalado um portão de aço reforçado nas escadas.

- Portão... De aço?

- Ele colocou ele durante a noite, nas escadas que levam pro andar de jogos. Parece que não quer ninguém por perto enquanto está lá dentro.

- Como se um portão de aço reforçado fosse realmente segurar algum de nós.
Mas é óbvio que ele está escondendo algo.

Não importa como você olhe, Andrew só pode estar escondendo alguma coisa. Algo que não pode chegar aos nossos olhos, ouvidos, e até mesmo bocas.

Uma bomba atômica? Um aparelho que trás os mortos à vida? Uma torta de laranja? Ou talvez ele só queira ficar longe da gente.

Sim, isso seria algo inteligente a se fazer.

Parabéns, Andrew. Essa seria a escolha certa.

Isso te garantiria o título de “Andrew – O Sábio”, mas como a situação não é garantida, é melhor esperarmos pra isso.

- Yosh. – me levantei, firmando as mãos no galpão – Mission Start!

- Hã?

Sai correndo em direção à escadaria que dava pro andar de cima.

*

- Onde você esteve entre as 7 e às 8 dessa manhã?

- Você ta fazendo cosplay de alguma coisa?

Ciro apontou para meus trajes com seu rosto cheio de graxa.
Eu estava vestido como um policial investigativo com um sobretudo de couro e um chapéu do mesmo material, ambos da cor marrom-castanha, realçando meu traje preto e básico de batalha que estava por baixo.

- Não ignore a autoridade! Sou eu quem faço as perguntas aqui.

- Roger... Dormindo, eu acho.

Ciro tirou suas luvas sujas e colocou no chão, próximo ao navio-mecha que usamos para escapar da última ilha e que estava sendo reparado até o momento de minha chegada.

Por maior que fosse, cabia facilmente na cobertura, e não incomodava Rodrigo que costumava usar a outra extremidade para praticar os seus disparos.

- Certo. – Anotei em uma caderneta usando a ponta de uma adaga.

- Você... Quer uma caneta?

- Você tem direito de permanecer em silêncio. O que comeu de café? Ovos, bacon ou os dois?

- ...

- Responda quando eu te perguntar, maldito.

- Pare de ser confuso. E como isso ajuda em alguma coisa?

- É pra calcular o tempo que você ficou na cozinha. Assim posso dizer se suas informações condizem com a realidade.

- Você deveria mesmo estar me contando isso? ... Ambos.

- Então, vamos ver... Você deve ter o encontrado... Cerca de dez horas da manhã.

- Quem demoraria tanto pra acordar e se alimentar?

- Não duvide de meus cálculos! O que ele estava fazendo?

- Yuu acha que ele estava pegando alguns parafusos. Ou eram canos? ... Não sabemos.

- Argh, seu idiota!

- Não sou eu quem está fazendo cosplay fora de um evento, “seu idiota”.

- Idiota...? Idiota?

Parei e refleti.

- Tem razão, eu sou um idiota – admiti.

- Você está mesmo admitindo isso?

- É pelo o bem da missão, não atrapalhe.

Anotei as informações no bloco e me afastei.

Esse interrogatório não vai me adiantar muita coisa. Ciro não sabe o que fala.

Ainda nesse andar, mas no lado oposto, Rodrigo estava concentrado observando a paisagem ao redor.

Ele está muito pensativo. Talvez saiba de alguma coisa.

É isso. Vou interrogá-lo também.

- Ei, seu atirador-ruim-de-mira-que-não-acerta-nem-a-parede!

*

Droga, desacelere! Por que está pulsando tanto?! Assim vou ter um ataque cardíaco!

Francamente, por que diabos ele atirou tantas balas em mim? Eu não tive nem mesmo a chance de perguntar nada...

Tudo bem, ele deve estar em um dia difícil. Acontece. Nem todo dia é dia de atirador.

Retornei para o bar. Ryu continuava tocando ao fundo a mesma melodia, feito um toca-discos agarrado.

- Você voltou rápido, Daisy-chan. – Noilma sorriu sarcasticamente – O que foi que você conseguiu?

- ... – encarei Noilma, e em seguida o bloco de notas onde tudo estava anotado.

Blérh, já chega.

Não adianta, eu não vou conseguir mais informações do que isso interrogando o pessoal daqui. Andrew parece ter se esforçado muito para manter o anonimato dessa vez...

... Ou talvez porque somos todos idiotas. Sim, essa é nossa maior fraqueza.

Então só me resta uma única coisa. Eu não queria usar ela tão casualmente, mas será preciso.

A maior de todas as armas que temos neste navio...

A violência!

- Ryu! Noilma! – comecei a gritar por seus nomes.

A medida que ouviam seus nomes, interromperam o que faziam e direcionaram seus olhares para mim.

- Nathy! Heike!

As garotas desceram do dormitório feminino.

- Ciro, Rodrigo!

Apenas Ciro desceu, devagar e despreocupado.

- RDKs, unam-se!

E em um segundo, formaram um círculo bem torto ao meu redor.

Problemas na formação, é tudo culpa da sua ausência, Rodrigo!

...

Ok, eu não sei o que mantém vocês obedecendo a este chamado, mas... Parem de me encarar com essas caras de desgosto!

- O que foi dessa vez?

- Yosh! Todos estão aqui! – prossegui ignorando a pergunta de Ciro.

- Falta o Rodrigo.

- Yosh! Todos estão aqui!... Com exceção do Rodrigo! – corrigi.

- Não deveríamos chamá-lo?

- Não, Noi. Não queremos virar um pedaço de queijo esburacado.

- É chegada a hora de por nosso plano em prática! – Droga, prestem atenção no que digo!

- Que plano? – Nathy cochichou para Ciro.

- Deve ter alguma coisa haver com o Andrew.

- Vocês, parem de cochichar e ouçam!! – apontei irritado

Então,limpei a garganta e convicto da situação, continuei;

- Ciro, assuma a frente! Você é membro com mais resistência do grupo. Noi, você cobre o perímetro direito, enquanto o Ryu cobre o esquerdo. Por depender mais de agilidade e reflexos, eu ficarei no meio dando apoio ao lado que precisar. Nathy, Heike, vocês ficam aqui e tomam conta do andar em nossa ausência.

- E quanto a Yuu?

- Ela fica também. Pode ser que precisemos de reforços. – Ok, eu realmente não faço idéia da diferença dela vir ou ficar.

- Sabe, elas precisam de alguém mais velho por perto. Eu vou ficar e protegê-las.

- Noi, seus livros estão em risco, venha conosco!

- Vocês vão mesmo fazer isso? - Noilma suspirou fundo.

- Não é como se tivéssemos nada melhor agendado.

- Toda essa bagunça pra descobrir o que o Andy ta fazendo? Isso não é invasão de privacidade? – Ryu.

- Não se você pensar que está lutando por um futuro mais brilhante!
Isso! Uma frase épica é justamente o que eu precisava em um momento como este! O ambiente está completo.

- Agora, chegou a hora de agirmos! Vamos invadir aquele andar e arrancarmos a verdade com nossas próprias mãos! Quem está comigo?!

...

Olha, eu não sabia que haviam grilos a bordo. Interessante.

- Bom... – desviando do foco - MISSION, START!

*

A porta de aço que até então parecia reforçada e difícil de se romper, caiu bem em nossa frente com apenas um toque.

Tudo o que eu queria era bater até Andrew aparecer e abrir para entrarmos, mas já que as coisas ocorreram desse jeito, não há  com o que se preocupar. Afinal, é um sinal de que os deuses estão do nosso lado.

Assim que o item de metal se chocou com o chão, invadimos o andar e nos posicionamos de acordo com o combinado.

Ficamos em silêncio observando o cenário. Um mar de fliperamas e videogames estava bem à nossa frente. As luzes estavam todas apagadas, com exceção de um par de lâmpadas à noroeste do andar.

- OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOI! ANDREEEEWWW! – chamei sem resposta alguma.

- Pssh! Não faça barulho!

- Não adianta, a porta caindo já deve ter chamado a atenção dele.

- Mas não precisa piorar!

Caminhamos devagar mantendo a posição. À medida que avançávamos em direção a luz, abaixávamos nossas vozes na tentativa de nos mantermos discretos, embora aparentemente já fosse tarde demais para isso.

- Ei, tem uma linha na minha perna... – Ciro cochichou.

- Tire ela. – Respondi.

- Não! Isso deve ser uma...

Tarde demais, Ryu.

Logo após Ciro dar uma leve puxada na linha, uma gaiola ameaçou cair em cima dele. Mas com um ágil movimento, o bardo que estava bem próximo foi capaz de empurrá-lo para fora do alcance da armadilha.
Entretanto, ele não conseguiu evitar seu próprio aprisionamento.

- Ryu!

- Ei, ei. Isso não é clichê demais? Quem usaria uma dessas nos tempos de hoje?

- Finally! – Andrew surgiu de trás de uma máquina caça-níquel. – Finalmente pude capturá-lo!
Essa gaiola... Entendo. Não eram parafusos ou canos, mas sim parafusos E canos. Droga, isso significa que... Yuu estava certa? Como pode?!

- Andrew! O que está fazendo?!

- Ei, não dava pra gente conversar? – Ryu estava sentado dentro da gaiola, em paz, coçando sua cabeça.

- Não leve pro pessoal. I’m Just tryin’ to save my work, you know?

Andrew se aproximou da jaula e examinou Ryu.

- Não da pra trabalhar com ele soltando tanto pelo. Tudo bem se trouxerem um pet para cá, mas precisam cuidar melhor dele.

- Ow! Calma lá! Não tem cachorro aqui não! – Ryu se irritou com o comentário.

Mas... É isso? É realmente isso? Todo esse trabalho e investigação... Pra isso?!

- Deixa eu ver se eu entendi... – apontei para Andrew – Você... Queria atrair o Ryu para prendê-lo por que... Ele está perdendo muito pelo?

- Exato.

- Pra que a porta, então?

- Cachorros amam portas de aço. – para Ryu – don’t ya? Eu precisava de uma isca.

Hell, isso não faz sentido nenhum. Onde diabos ele ouviu isso?
Esta foi definitivamente uma conclusão inesperada. Droga. Eu poderia jurar que meu dia foi jogado pela janela... Mas de alguma forma, acho que me diverti um pouco.

Olhei para os outros membros que estavam me encarando com uma enorme sweatdrop atrás da cabeça.

- Que perda de tempo. – Ciro deu meia volta. – Vamos, Yuu.

- Eu não acredito. – Noilma foi junto. – Eu devia ter ficado com as meninas.

- Ei! Esperem, eu ainda estou aqui! – Ryu agarrou as grades da jaula tentando se libertar.

- ... Mission Failed. – suspirei. – Tudo bem, eu trago a mangueira. Um banho com fortificante capilar deve resolver.

- O mínimo que posso fazer é te ajudar. Vou pegar o sabão. – Andy foi na mesma direção.

- Vocês! Vocês não podem fazer isso comigo! Ei! Voltem aqui! Eu sou uma raposa, não um cachorro!

Enquanto eu e Andy seguíamos com os outros para o andar de cima, Ryu continuou gritando, tentando se libertar de seu trágico destino.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Capítulo 3 - Ilhas voadoras e Ilhas submersas - Parte 5 - FINAL


Intermission: Rodrigo



Não apenas Vikings, mas Sapos Vikings, armados com espadas, escudos e armaduras.

— Bullshit — gritei. Não para menos, o número de inimigos que apareceu em nossa frente é simplesmente absurdo, e a única rota de fuga é o caminho pelo qual viemos.

— Rodrigo, você ainda têm munição o bastante?

— Só se meu sobretudo tivesse capacidade de armazenamento infinito.

Olhei para trás. A situação não melhora muito se voltarmos, não conhecemos o lugar, não sabemos se esses são os únicos inimigos que vão aparecer. Podemos acabar cercados, mas não podemos exatamente seguir em frente… Não por meios naturais é claro.

— Ciro, acha que é forte o bastante para arrancar e arremessar a perna daquele mecha preto?

Ciro me olhou por um instante, mas logo entendeu a idéia.

— Mole.

É difícil para mim estimar o número de inimigos apenas pelo volume das tropas, já que eles não tem porte de humanos. Mas diria que são cerca de dois mil. É impossível lutar contra tudo isso, não tenho munição o bastante, e o Ciro está desarmado. Então, obviamente, vamos passar por baixo deles.

— Vai — gritei e saquei meu rifle de assalto. Mesmo sendo sapos e nos atacando sem sequer tentar conversar antes, ainda não estou afim de causar mortes desnecessárias. De qualquer forma, comecei a atirar sem hesitar. Os sapos entenderam que aquela rajada de tiros é perigosa o bastante e se afastaram da linha de fogo conforme ela se aproximou deles. Não posso manter uma rajada tão longa, mesmo com um clipe modificado, por tanto tempo, sem alguns segundos meu poder de fogo acabou e precisei recarregar. Mas foi tempo o bastante. Ciro alcançou o mecha preto, e com facilidade, já que o calor tinha danificado a estrutura do mecha, arrancou sua perna.

— Sai da frente!

Os vikings claramente ficaram assustados ao ver a força dele. Não é para menos, se ele puder balançar aquela perna, pode acertar pelo menos uma dezena de inimigos por vez. Mas ainda não é o bastante para derrotar esse número imenso de inimigos. Eles se aproximaram. Ciro disse que esse tipo de mecha tem pouca resistência mágica. Sei por fato que coisas que conduzem energia, também conduzem perfeitamente magia em forma de energia. A perna de um mecha é a parte que sustenta maior peso, obviamente, e portanto a que mais precisa de energia. Consequentemente, a que possui melhores condutores, não preciso ser um gênio da robótica como o Ciro para entender isso. E depois do superaquecimento que o Ciro provocou, esses conectores devem estar no mínimo desencapados, e no melhor caso, completamente derretidos e bagunçados. O que seria perfeito para mim.

— Lift! Max Level! — Minha única habilidade que posso usar perfeitamente, e que uso para reduzir o peso das minhas armas e as vezes de mim mesmo. Dessa vez, usei contra a perna do mecha, que agora é basicamente nada mais do que um condutor de magia. Nesse nível, Lift deve tornar qualquer alvo tão leve quanto uma pluma. O que provavelmente seria bom para os inimigos, já que no momento em que usei a magia, Ciro atirou a perna no meio deles, o que fez com que a magia se deslocasse para vários alvos. Atingindo os sapos. Em uma situação normal é claro. Mas assim que acordamos, percebemos que a pressão aumentou, o que pode ser entendido como "o ar ao nosso redor ficou mais pesado", talvez, pesado o bastante para erguer uma pluma. O exército de sapos ficou completamente perdido quando viram dezenas, centenas de seus soldados subindo espontaneamente.

— Então era isso o que você queria fazer? Jurava que você queria que eu fizesse um strike e derrubasse todos eles de uma vez.

— Adoraria fazer uma retórica, mas temos que aproveitar e ir logo — antes que os inimigos percebam que podem resistir a magia com um pouco de concentração.

Corremos em direção a porta, ainda há vários inimigos no caminho, mas estão bem mais espalhados, é possível atravessarmos. Dessa vez não estou atirando em rajada, mas em pequenas sequencias de três tiros, apenas para afastar os inimigos por tempo o bastante para passarmos. Ciro, sem todo esse problema, pode simplesmente jogar os que se aproximam, acho que ele não pode usar aqueles ataques de fogo com tanta frequencia, bom, eu já suspeitava disso. Conseguimos passar pela maioria dos inimigos, mas os que já não estão mais prestando atenção em seus companheiros flutuantes, estão vindo em nossa direção. Percebi que alguns deles já estão caindo. Quando passamos perto da perna que Ciro havia arremessado, ele a chutou novamente abrindo um pouco mais o caminho para passarmos. Logo estávamos a frente dos inimigos.

— Ciro, ja pode usar aquele ataque de fogo?

— Já, está afim de provar o sabor de sapo tostado?

— Nem com toda a maionese do mundo! Tranque a porta assim que atravessarmos.

— Oh, certo!

Assim que atravessamos a porta de ferro, Ciro a fechou e usou seu ataque na porta. Isso marca a nossa vitória. Agora a porta está quente de mais para eles tentarem abrir, e quando resfriar, estará completamente soldada. Claro, eles são dois mil, mas ainda sim é uma porta de ferro, e não é como se eles pudessem atacá-la todos de uma única vez. Isso deve pelo menos dar trabalho para eles… devíamos ter explodido os restos dos mechas antes de fugir, mas agora já é tarde de mais, de qualquer forma, temos tempo o bastante para fugir.

— Wow, isso foi mais fácil do que imaginei — disse o cara que se revelou como um meio dragão do nada e de repente tem a força de cinquenta homens.

— Bom para você, agora me explique essa história de se transformar direito!

— Err… bom, podemos deixar isso para o próximo capítulo?

— … Humm, ok, tudo bem, temos que sair rápido daqui.

Olhamos ao redor. Estamos no meio de um longo corredor. Em uma ponta, uma escada voltada para cima, em outra, para baixo. Estamos obviamente no subsolo então provavelmente queremos subir. Corremos em direção a escada. Percebi que Ciro voltou ao normal do meu lado e está colocando a roupa enquanto corre. Então ele a tirou para impedir que ela rasgasse, huh. Ainda é estranho pra caralho.  Decidi não tocar no assunto.

— De alguma forma, não está… silencioso de mais? — Perguntei.

— Tem razão, esperava que os sapos do outro lado estivessem fazendo um inferno a essa hora.

Obviamente não temos a intenção de voltar, então subimos a escada. E… desaparecemos.



— O quê?



Olhei para o meu lado, Ciro não está mais por perto. Nada está mais por perto, nem as escadas que acabei de subir. Só vejo corredores brancos, se estendendo para todos os lados, como se fossem infinitos. Estou numa encruzilhada. Tenho quatro caminhos a seguir, se contar para trás. Como diabos subi uma escada e logo no passo seguinte acabei em uma encruzilhada?

— CIRO? — Gritei. Nenhuma resposta, olhei para os quatro corredores. São idênticos. Exceto… percebi uma das luzes piscando no final de um dos corredores. Sem hesitar, corri na mesma direção.

Tcccchhhhhhhhhzzzzchhhhhhh…

Um barulho estranho no ar, onde foi que já ouvi esse barulho? Claro, nas lojas de aparelhos tecnológicos que não existem em nenhum lugar desse mundo, exceto no terceiro andar do shopping da Izanagi. Uma tecnologia que não deveria existir. Apenas entender isso fez minha espinha tremer. Me aproximei do som, vi algo como uma janela (?), presa a uma caixa preta. Não consigo identificar o que isso é, mas a janela não está mostrando o interior da caixa, está mostrando uma série de luzes, vários pontos pretos e brancos se movendo desordenadamente.

Off: É uma televisão com chuvisco se alguém ainda não entendeu.

— O que é isso?…

De repente a imagem mudou, não reconheci logo de cara, já que a imagem está em apenas preto e branco, mas logo percebi. Ciro aparece na imagem, andando por uma série de corredores. Não só ele, também estou ao seu lado, um pouco atrás. A imagem nos mostra saindo da caverna, assim que saímos, vimos um polvo gigantesco destruindo a floresta ao perseguir alguma coisa. Deduzimos que essa “coisa” deve ser o Dionathan ou o Andrew e resolvemos ir atrás. E então as luzes preto e brancas desordenadas voltaram, e em seguida a mesma sequência de imagens se iniciou. Como um dos filmes que vemos no cinema, que por acaso também é uma tecnologia que não existe fora da Izanagi. Ahh… eu sinto aquela presença. Aquela presença, que sentimos no elevador daquela vez, que sentimos várias outras vezes. Que nos faz instintivamente olhar para o outro lado, que nos faz mentirmos para nós mesmos, que preferimos fingir que não sabemos do que se trata, e não conseguimos identificar o que é… obedientemente, me aproximei da parede e fixei meu olhar na mesma. Algo está passando atrás de mim, mas não posso me virar, não posso olhar, não, na verdade eu posso, mas não quero, prefiro fingir que essa existência não existe, e ela não existirá enquanto eu não admiti-la, ou pelo menos é o que acredito, o que sou forçado a acreditar. Dois minutos se passaram, me forcei a esquecer o que acabou de acontecer e voltei a olhar para a caixa. O mesmo “filme” continua se repetindo. Algo em que apareço, mas do qual não tenho memórias. Não adianta ficar aqui, decidi continuar indo em frente pelo mesmo corredor em que estou.

— Ah, huf… — estou ofegante? Como? É verdade que passamos por um aperto mais cedo, mas nem de longe eu deveria estar ofegante a esse ponto…

Parei por um instante para recuperar a respiração… quando olhei para trás, percebi que todas as luzes que passei até agora pararam de piscar e apagaram de vez. O breu é tão denso que não posso ver absolutamente nada.


Percebi uma porta, que não estava naquele lugar até um instante atrás. Ou pelo menos acho que não, só agora percebi que estou tão cansado que nem minha mente está funcionando direito. Mas não importa o que, sei que esse lugar não é normal, essa sensação é familiar, mas ao mesmo tempo completamente estranha. Da mesma forma que você não se acostuma com a dor não importa quantas vezes quebre o mesmo osso, essa sensação não se torna normal apenas por já tê-la vivenciado. Mas onde senti isso antes? Izanagi? Sim, talvez, mas é muito mais forte… não adianta pensar sobre isso, atravessei a porta.

O ambiente mudou. Não tem mais nada a ver com os corredores brancos que estive percorrendo até agora. Existem vários aparatos tecnológicos, painéis, é quase como o interior de um mecha. Só que muito maior, e no centro, enormes tubos de vidros, cheios de água e com… pessoas dentro. São quatro tubos no total, cada um contendo uma pessoa, corpos finos, alongados, andrógenos e sem cabelo, seus corpos cobertos por uma fina camada branca de pano. Qual o significado disso?… Não, esqueça, não acabei de perceber que esse lugar não é normal? Nada do que existe aqui tem nada a ver comigo. Procurei a próxima porta e fui em direção a ela, assim que a fechei atrás de mim, ouvi o barulho de vidro quebrando. Continuei em frente. Agora estou em outro corredor, duas portas, em cima de cada porta, uma placa com inscrições em uma língua que não entendo. Abri a porta mais próxima e expiei o seu interior. Parece um quarto fechado, fui para a próxima, uma sala com sofás, uma mesa e uma daquelas caixas pretas de cinema. Entrei e percebi novos caminhos.

— …

Enquanto estava me decidindo sobre qual caminho seguir, percebi um caderno sobre a mesa. Várias escritas em uma letra familiar. Resolvi me sentar. Peguei o caderno em mãos e comecei a checar as anotações mais recentes.


08/07/302

Para: Paula

Esse é o 110.525º dia de existência desse mundo, algumas coisas ainda não estão perfeitas. Temos alguma idéia de como prosseguir, mas me pergunto se existe outra forma de lidarmos com os problemas… Sinto sua falta, não sei quando terei tempo de colocar essa carta no correio. Sequer tive tempo de arranjar uma folha de verdade, esse mundo é belo, gostaria que você estivesse aqui para vê-lo. Se você estivesse aqui, provavelmente brigaria comigo, por estar sendo tão indireto, só de pensar nisso me faz rir…


A carta parou por ai, talvez a pessoa que estava escrevendo resolveu deixar para depois. Me senti um pouco culpado por ler algo tão pessoal. Mas me pergunto, por que essa letra parece familiar?

— Olá!

Me joguei para trás de um dos sofás e apontei a arma para o recém chegado.

— Opa! Calma lá!

— Quem é você? Você me conhece?

— Essa reação de novo? Não lembra do meu rosto?

Agora que parei para reparar, ele é o pirata bêbado que encontramos mais cedo.

— Ryu, certo?

— Ahnn, não. Sou Lionel, o doppelganger — ele se curvou, e quando levantou o rosto, estava com a face do Dionathan.

— Mas que…

— Ah, droga, sua cara diz que você perdeu a memória de novo. Ok, vou te explicar pela… doze, dezessete, vinte e três, ah, certo, vigésima nona vez.

Do que diabos ele está falando?

— Bom, já disse o meu nome e o que sou, basicamente, estava esperando essa ilha aparecer. Você sabe, essa ilha só aparece uma vez por ano em lugares completamente randômicos. Só consigo prever aonde ela irá aparecer cerca de uma semana antes que isso aconteça. Então, estava em um barco, esperando tranquilamente a ilha despertar, quando vocês chegaram do nada e destruíram a porcaria do meu barco!

— Err, desculpe por isso?

— Não se preocupe. Enfim, isso não significa que não exista um cara chamado Ryu, só que como ele costuma ficar preso nessa ilha, resolvi usar a identidade dele, e sinceramente, ficar mudando de forma é um saco. Por isso acabei ficando com o rosto dele mesmo quando cheguei aqui.

— …Por que está me falando isso?

— Porque esse tal de Ryu está agora com o seu grupo, vocês até apertaram as mãos e ficaram amiguinhos.

— Do que você está falando? Nós fomos atingidos por uma onda, e acabamos nos separando do Dionathan, desde então a única pessoa que vi foi o…

— Ciro, certo? Então me diga, você se lembra o momento exato em que ele desapareceu?

— … — Sei que foi em algum lugar, durante a subida de escada, mas não tenho confiança para dizer ao certo.

— Besteira, você e o Ciro escaparam daquela mina que aquela raça de sapos incômoda usa de base, se reuniram com o Dionathan e o Ryu, encontraram o Andrew, mas descobriram que seu barco estava quebrado. Então se separaram para buscar partes para o reparo, e foi assim que você acabou nesse lugar.

Me lembrei do “filme” que vi. Mas ainda assim não posso acreditar que um bloco tão grande da minha memória foi apagado.

— Ahh, por isso que eu te disse para não entrar na base de pesquisa sem as preparações adequadas… Bom, você é um cabeça dura de qualquer forma. De qualquer forma, está na hora de sairmos. Não importa quanto tempo você passar aqui, não terá passado nenhum instante do lado de fora, mas isso não quer dizer que o tempo não tem significado. Se não sairmos agora, podemos ficar presos.

— … Você sabe como sair daqui? — Não sei do que ele está falando, mas se ele puder me tirar desse lugar, acho que já é o bastante por hora.

— Sim, bom, ainda preciso fazer algo. Mas parece que você está cooperativo dessa vez, então vou te dizer como fugir antes que você perca as memórias de novo e mude de idéia. Mas antes… — ele se aproximou do caderno e Liu a mesma carta que vi antes, uma expressão séria em seu rosto. — Porcaria, nada de útil, hum. Mas… isso meio que confirma minhas suspeitas.

— ?

— Não adianta eu te explicar, você simplesmente irá esquecer de tudo assim que sair daqui… mas vocês podem ser úteis para mim no futuro, claro, também posso ser de assistência para o seu grupo. Portanto, te darei isso.

Ele virou a página do caderno, e com uma caneta que tirou do bolso, escreveu algo. Em seguida, arrancou o papel, o dobrou e jogou em minha direção. Finalmente abaixei a arma e peguei o papel.

— Não se de ao trabalho de ler agora, é inútil. Apenas entre naquele elevador e vá para o primeiro andar. É o andar seguro dessa instalação, não se assuste quando ver o primeiro andar no topo, essa instalação toda é subterrânea. Assim todas as memórias que você precisa vão voltar, e você vai esquecer… bom, você já não lembra do que aconteceu aqui, haha. Ah, desculpe, apenas achei isso engraçado. De qualquer forma, vá.

…É estranho, esse cara parece saber algo, e o fato de que ele está usando o rosto do Dionathan, mas uma voz diferente é perturbadora. Mas ele não parece estar mentindo, e eu realmente quero sair daqui… Resolvi fazer o que ele disse, entrei no elevador. Vi ele acenando em minha direção enquanto a porta se fecha. Olhei para o painel de botões. Realmente, o primeiro andar está no topo, e abaixo… os números acompanhados de “SS” na frente chegam até o 30. Se a informação estiver correta, estou no SS17.

Apertei o botão “1”.





Em minhas mãos, tenho a peça que o Andrew e o Ciro me pediram para levar. Sim, eu já me encontrei com eles. Nos reunimos, fugimos daquele polvo gigante e agora estamos concertando nosso navio/mecha para fugir e se necessário enfrentar aquele Kraken… Me pergunto, por que tenho a impressão de que isso não é tudo? E de alguma forma, me sinto mais cansado do que estava há alguns minutos atrás.

… Não, alguma coisa está errada, conheço essa sensação. É como quando tentamos entrar nos andares inferiores da Izanagi pela primeira vez. Sempre que decidimos isso, algo acontece, e percebemos que ainda estamos fazendo as mesmas coisas que estávamos fazendo antes e com uma sensação estranha de estar esquecendo algo… Por que estou sentindo isso?

… Argh, tanto faz, tenho que levar essa peça de volta logo, o polvo pode nos achar a qualquer instante, e temos menos de quatro horas para fugir da ilha!



— Ok! Está tudo pronto! — Ciro gritou.

— Beleza, se segurem pessoal, estamos de partida! — Dionathan disse logo em seguida.

— Tudo bem mesmo eu ir com vocês? — Ryu perguntou, Andrew respondeu:

— Claro, a menos que você queira ficar fazendo companhia para os homens sapos!

— Nem pensar!

E assim nosso navio decolou. Ou, era o que pensávamos…

— O que aconteceu? — Perguntei.

— Aquele polvo maldito está nos segurando! — Ciro respondeu de longe.

Eu, Dionathan e Andrew corremos para a parte superior do barco, um tentáculo gigante está segurando nosso navio pelo meio.

— Se continuar dessa forma ele vai quebrar! — Andrew disse, Dionathan imediatamente começou a atacar o tentáculo. Ouvi a música do Ryu tocando pelos auto-falantes, parece que está tendo algum efeito na concentração do polvo.

— É nossa chance! — Eu disse para o Andrew.

— Certo!

Peguei meu lançador de foguetes que tinha deixado no barco e voltei para atacar, enquanto isso, abaixo de mim, os canhões do nosso barco começaram a disparar contra o polvo. Andrew realmente tem algum talento para conseguir acertar o polvo perfeitamente entre os olhos com armas tão ultrapassadas. Mirei no tentáculo que está prendendo nosso navio. A essa altura o Dionathan já fez um belo trabalho em enfraquecer o membro do polvo, mas ele continua segurando o barco, insistente.

— Dionathan! — Gritei, ele percebeu imediatamente meu lança foguetes e saiu de perto. Um único tiro, o tentáculo do polvo finalmente arrebentou e nosso barco ficou livre.

— É nossa chance! Pé na tábua! Ciro!

Dionathan comemorou cedo de mais, o Kraken usou seus oito tentáculos restantes para se impulsionar e se arremessou em nossa direção.

— HOLY FLYING FUCK! — Em minha mente, todos dissemos isso em coro, mas provavelmente fui apenas eu.

Mas quando achei que estávamos acabados… Nosso navio virou um mecha!

— Droga, isso é apenas um protótipo, vai ter que funcionar de alguma forma!

Ouvimos a voz do Ciro vinda da cabine. O mecha se contorceu e desviou do polvo em pleno ar, percebi que começamos a perder altitude, mas o mecha segurou algumas das pernas do polvo e girou no ar, arremessando o Kraken de volta para a ilha.

— HELLISH… DRILL… IMPAAAAACT!

A voz do Ciro ecoou pelo navio enquanto o mecha se prepara para seu ataque final, as mãos do robô começaram a girar até virarem uma verdadeira britadeira e então começou a pegar fogo, o que provavelmente faz parte do ataque. Com um brilho desnecessário, o ataque atingiu o Kraken, e por toda a ilha, choveu pedaços de polvo.

— Sushi! Estava querendo comer isso desde domingo.

— Ninguém quer saber, Dionathan — reclamei, mas já era tarde de mais, todos estavam pegando pedaços de sushi caídos do céu enquanto nosso mecha voltou a ser um navio e levantou vôo… Me pergunto, se o Ciro está aqui pegando sushi, quem está pilotando? Yuu? Não, ela não está aqui, eu acho que não, ele não falou com ela o tempo todo… Não, pensando bem, não quero saber.

Vitoriosos, deixamos a ilha, com pouco mais de duas horas restantes para a submersão completa dela.

THE END

… Por hora pelo menos



Mas realmente sinto que estou me esquecendo de algo importante…





















Encontrei um pedaço de papel no meu bolso, achei que era lixo, e quase o joguei fora, mas resolvi abrir e ver o seu conteúdo antes.


Yo, idiota, você provavelmente não se lembra de nada agora. Mas deve estar sentindo que algo está faltando, certo? Da mesma forma que você se sente quando tenta entrar nos andares inferiores da Izanagi. Fun Fact: Essa ilha em que vocês passaram o último dia é muito parecida com a Izanagi, pelo menos em sua função em existir. O que é essa função? Não faço idéia, ainda têm muita coisa que não sei, mas obviamente, sei mais do que vocês. Um dia desses vamos nos encontrar novamente, espero que o Ryu não esteja mais guardando rancor de mim, por ter usado a identidade dele, quando essa hora chegar. De qualquer forma, nada disso deve estar fazendo sentido para você, e  talvez ainda seja cedo de mais, mas tente se lembrar pelo menos disso: A Izanagi não é única, ela é apenas uma entre várias, e nenhuma delas faz qualquer sentido pelo que sabemos até agora. Tome cuidado antes de sair enfiando seu nariz aonde não é chamado.

Lionel, o Doppelganger




Ending: 
Hell Frozen Rain - Mary Elizabeth McGlynn / Trilha sonora de Silent Hill: Shattered Memories

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