sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Side Story 4,5 - Guardas do Império - Parte 2


Intermission: Sanchez

Me sentei à mesa, colocando um prato de comida a minha frente. Normalmente almoço com o Alberto, já que somos colegas desde os dias de academia, e com o Pig. Mas ambos estão no hospital. Ainda. Achei que Pig estaria numa situação pior, mas parece que Alberto quebrou alguma coisa durante a última luta. Sinceramente, parece que fui o único a sair ileso contra os Royal Dark Knights. Eu e o trio maravilha, é claro. Aqueles caras são incríveis, mas nem eles conseguiram derrotar a RDK. E tinha sido uma baita sorte conseguirmos levá-los ao local aonde a RDK ia aparecer.

Ok, tenho que parar de pensar nisso. Aquilo foi apenas uma derrota, só precisamos lutar de novo.

Algumas pessoas se sentaram ao meu redor, algo incomum. Bom, não é como se eu fosse dono da mesa. Ergui meu rosto para encará-los.

— E ai! Sanchez.

— …???? O trio maravilha?!

— Sabe, nós não gostamos muito desse apelido — a única mulher do grupo respondeu.

— Ah, me desculpe.

— Tanto faz, mas você provavelmente só nos conhece por apelidos, não? — o arqueiro disse, e apontando para si mesmo começou a apresentação. — Eu sou Carter, a moça ali é Franca e o rapaz que não fala muito é o Rover.

Ao ouvir isso os dois acenaram. Ótimo, acabo de perder minha exclusividade como personagem quieto… bom, pelo menos eu pareço não falar muito para os que não me conhecem.

— Certo, eu sou Sanchez… apesar de que você me chamou pelo nome então isso foi redundante.

— Tudo bem, já faz um tempo que queríamos falar com você. Descobriu algo depois da última luta?

Ah, obrigado por ignorar completamente meus sentimentos e vir falar sobre isso.

— Tudo que consegui concluir com aquilo tudo foi que eles não atuam separadamente por nenhum motivo em especial. Eles simplesmente são fortes de mais e não precisam estar sempre juntos. Então eles dividem o grupo baseado no que for mais conveniente.

Carter levou a mão ao queixo e começou a pensar.

— Entendo, isso é realmente tudo?

— Sim.

Olhei para Franca. Sempre achei que ela era a líder do trio, sendo conhecida como Dragon Rider, ela tem uma baita presença em combate. Mas vendo Carter assumindo a liderança tão facilmente, acabei ficando em dúvida. Carter parece ter percebido meu olhar e disse.

— Ah, Franca tem estado um pouco triste desde a última luta. Já que o filhote do Dino…

— É Dina! — ela corrigiu.

— …Dina, foi roubado pela RDK.

— Ela tem estado em depressão desde que aquilo aconteceu… — finalmente Franca ergueu a voz — pobre Dina. Mesmo que dragões não passem tanto tempo com os pais, tenho certeza de que ela queria ter tido a chance de chocar aquele ovo e cuidar de sua cria por pelo menos algumas semanas. ELA ESTAVA SE PREPARANDO PARA ISSO! Malditos! Eu definitivamente farei eles pagarem pelo que fizeram!

Aah, quanta raiva acumulada. Carter deu um sorriso torto e tentou mudar de assunto.

— Mas diga, Sanchez, você está responsável pelo treinamento de uma cadete recém incorporada, certo?

— Ah, sim…

Já fazem duas semanas que estou treinando a Emily e ainda não encontramos uma arma com a qual ela tenha intimidade. Ela é perfeita nos treinos não importa o que esteja usando. Fazer movimentos e praticar em alvos é tão fácil para ela quanto respirar. Sejam armas de corte, perfuração, arremesso e até armas de fogo ela é incrível com qualquer coisa. Mas na hora do treino de combate, toda essa perícia incrível desaparece. Ela sequer consegue apontar a arma para alguém.

Sem saber que arma é a mais adequada, ainda nem entramos em treinamento de magia, então eu sequer sei ainda que tipo de magia ela usa.

Existem limites para o quanto eu posso fuçar no passado dela… mas estou começando a achar que não tem outra solução. O potencial dela é grande de mais para ser desperdiçado, mas ela é inútil do jeito que está. E por alguma razão ela quer atuar em campo não importa como. Essa garota é um mistério.

— Como está se saindo?

— Bem… mais ou menos…

— Tenha certeza de se esforçar ao máximo. Você é o exemplo que ela tem de como deve se comportar um soltado da Royal Guard! Não importa quanto ela cresça futuro, a base será sempre a sombra do que você é agora.

— …



***



A base será sempre a sombra do que eu sou agora, hein? Acho que devo levar isso mais a sério do que pensei. Até agora não estava pensando em como minha imagem poderia afetá-la. Mas tudo o que ela viu de mim até agora é apenas um treinador razoável que é atormentado por uma falha recente que cometeu…

— Emily, coloque mais força no golpe.

— Sim! — ela respondeu em meio a uma respiração ofegante.

— Essa arma é pesada então você irá se cansar mais rapidamente ao usá-la. Tenha certeza de lembrar a diferença de esforço que você está sentindo!

— Sim!

Hoje ela está treinando com um martelo de guerra. Com seu corpo pequeno deveria ser difícil controlar a arma, mas em algumas horas a postura dela já é perfeita. Mesmo cansada ela já está indo muito bem… mas eu já sei o final dessa história. Assim que eu disser para ela tentar me acertar com essa arma, ela irá falhar. De repente ela não conseguirá mais nem levantar o martelo por causa do peso. Seus golpes ficarão muito mais lentos, largos e previsíveis quase como se ela não quisesse realmente atingir algo.

— Vamos terminar mais cedo hoje, Emily.

— Eh?

— Não se preocupe, quero que você descanse bem hoje. A propósito, você está livre amanhã? Eu sei que é seu dia de folga, mas se você puder me emprestar um pouco do seu tempo seria ótimo.

— Eh? Mas… mas… senpai, nós somos colegas de trabalho… não tem problema… um encon…

Ah, droga, acho que preciso dar mais detalhes ou ela vai chegar a uma conclusão totalmente fora de contexto.

— Espere! Pare bem ai! Não é nada disso do que você está pensando.

— …Não?

— Claro que não!

Ela deixou escapar um suspiro de alívio e disse:

— Ainda bem, achei que o senpai finalmente tivesse virado um pervertido e quisesse me atacar.

— O QUE DIABOS VOCÊ PENSA DE MIM!? — sou eu quem deveria estar suspirando aqui!

— Mas você disse que queria que eu descansasse bem para amanhã…

— E você realmente precisa chegar a uma conclusão dessas em tão pouco tempo?! Aah, tudo bem, é culpa minha por não explicar direito. Me perdoe, eu sinto muito, misericórdia!!

— Tudo bem senpai, eu sei que você é um masoquista inofensível e que jamais faria mal a alguém.

Ela disse isso com uma expressão perfeitamente tranquila. Claro, não perde o ar de aluna perfeita nem quando está humilhando completamente seu superior. Tudo bem, vou ignorar esse comentário.

— É com relação ao seu treinamento.

— Eh?

— Quero que você veja algo, então vá para a arena logo após o café da manhã, tudo bem?

— Certo.

— Dispensada — dizendo isso me afastei antes de deixar ela sequer falar mais alguma coisa. De repente sou o mais cansado dessa história toda, como isso foi acontecer?



***



As vezes me pergunto se tenho algum problema. Eu devo ter, certo? Se quisesse conhecer mais minha aprendiz e quisesse que ela me conhecesse melhor, a coisa normal a se fazer seria ter uma conversa honesta.  Pelo menos eu acho que esse seria o desenvolvimento normal das coisas. Mas existe um problema, eu sou péssimo com palavras, e duas semanas com a Emily me revelaram que ela só é íntima com as mesmas quando está tirando uma com a minha cara. Não, isso não seria nem um pouco produtivo.

Então, se não posso usar palavras, o que faço? Lutar é a opção óbvia para mim. Mas lutar com ela seria inútil. Ela não conseguiria me atingir, seria unilateral eu apenas assustaria ela. Mas mesmo assim acho que essa é a melhor escolha. Não porque sou um idiota que tem músculos no lugar do cérebro. Mas porque a forma como luto hoje foi o que eu conquistei com o meu treinamento e com anos servindo a minha nação.

Me encontrei com Emily após o café da manhã.

— Senpai!

— Emily, obrigado por vir.

— Tudo bem, mas por que tem tantas pessoas aqui?

Provavelmente porque a maioria sabe o que vai acontecer. Não imaginava que ela realmente não ouviria os rumores, mas isso pode ser bom, deixarei ela ter uma surpresa. Ignorei a pergunta dela, me virei e comecei a andar, ouvi os passos apressados dela me seguindo.

— Quando saí da academia, eu possuía as melhores notas e o melhor desempenho da minha turma.

— Eh?

É natural ela estar confusa, comecei a falar do nada. Mas ela logo entenderá.

— Mas na prática, eu era horrível. Conseguia atirar perfeitamente em um alvo, mas em campo não conseguia nem desarmar a trava de segurança. Era ridículo.

— …

— Quando era pequeno, o homem que me criou e quem eu chamava de pai, morreu na guerra. Então ao mesmo tempo em que tinha respeito e aspirava ao serviço militar, desenvolvi um trauma incontrolável por ferir outras pessoas. Cada uma dessas pessoas pode ter pessoas que se importam com elas. Pessoas que irão chorar pela falta dessa pessoa. É apenas uma bala minúscula. Mas a dor que ela pode trazer é maior do que eu consigo sequer imaginar. Quando pensava nisso, eu falhava. Usar armas brancas também não ajudava muito.

Ouvi os passos dela serem interrompidos por um instante, mas eles logo voltaram a fazer barulho. Eu não queria falar muito, mas preciso que ela entenda o significado do que vou fazer a seguir. E olhar para ela enquanto digo essas coisas é constrangedor. Entramos na portaria de arquibancada da arena. Não é nada espetacular, é apenas uma quadra de esportes privada que usamos como campo de teste.

— Na vida você precisa superar seus medos. Mas naquela época percebi que jamais superaria os meus. Até porque seria contra a minha própria ética superar aquilo. Parecia que minha única saída era parar de atuar em campo… Mas então eu encontrei uma pessoa. E ele me disse: "Você tem medo de machucar seus inimigos? Idiota, se tem tempo para pensar nisso, então arrume uma forma de assustá-los tanto que eles não vão mais querer lutar!".

Acho que ouvi uma leve risada dela por causa da minha péssima atuação. Embora provavelmente tenha sido apenas minha imaginação.

— Ei, você já ouviu falar do Collen, certo?

— Aquele que está sempre no top cinco entre todos os membros da Royal Guard?

— Ele mesmo. Escute, não quero que você pense que estou tentando me exibir, mas alguém me disse que se quisesse ensinar outra pessoa, primeiro precisaria dar um bom exemplo. Mas sério, eu só consigo falar direito assim, quando não estamos cara-à-cara, e isso é constrangedor. Por isso, quero que você assista o que vai acontecer aqui hoje.

— E o que vai acontecer?

— Você descobrirá logo. De qualquer forma, da última vez que chequei, eu não estava nem entre o topo cem do grupo. Mas isso não importa, quero que você perceba que rankings, são apenas números e números  não são o bastante para definir uma pessoa. Quero que você perceba que existe uma resposta para o dilema que você está enfrentando nesse momento.

Finalmente me virei na direção dela. Argh, esses olhos atenciosos são realmente incômodos, mas já gastei muito tempo sendo indireto aqui.

— Eu sei que existe um motivo pelo qual você tem dificuldades na prática, você não precisa me contar quais são. Mas vou te provar de uma vez por todas que existe uma solução e que mesmo que você precise aceitar suas fraquezas, isso não significa que você precise se tornar fraca no processo.

Dizendo isso, indiquei para ela o assento mais próximo dela. Assim que ela se sentou, me virei e fui em direção ao campo. Collen já está me esperando quando pisei no chão de terra.

— Você demorou Sanchez.

— Desculpa, eu estava esperando alguém importante.

— Tentando impressionar uma garota? Não vou pegar leve com você apenas por isso.

— Se você fizesse isso, essa luta não teria sentido algum, teria?

— Bem dito.

Dizendo isso, Collen sacou duas espadas das bainhas em suas costas. Ele tem cabelos longos e pretos e uma armadura de corpo inteiro intimidadora com detalhes em azul, branco e prateado. Suas espadas também tem detalhes em azul na empunhadura com lâminas prateadas que refletem um brilho branco. O público urrou em comemoração ao ver isso. De alguma forma, quando a notícia do duelo se espalhou, isso se tornou um evento maior do que deveria. Posso ver pelo menos duzentas pessoas em pé e sentadas ao redor do campo. Ainda bem que reservei o assento da Emily com antecedência. Bom, normalmente, todos esperam que isso seja um massacre. Collen está entre o top cinco a anos, já chegou a estar na frente de alguns dos membros dos trio maravilha diversas vezes e já esteve em primeiro pelo menos duas. E eu, mal consigo me segurar no top cem. Bom, isso é como os outros vêem. Para mim, esse ranking não significa absolutamente nada. Mas mesmo assim, todos devem achar que esse duelo é o desafio de um fraco perdedor querendo mostrar que ainda tem algo para oferecer e que provavelmente será esmagado imediatamente. E todos estão aqui para ver isso. Algumas pessoas são tão cruéis.

Duelos desse tipo não são incentivados, mas também não são proibidos, precisamos seguir algumas regras. Tem que ter um juiz, não pode ser em dia de semana, e uma equipe de médicos e especialistas em combate precisa estar presente durante toda a luta monitorando o combate, e se preciso, eles tem o direito de impedir que a luta continue a qualquer momento. Também são eles que decidem quem venceu a luta caso nenhum dos lutadores assuma a derrota.

Percebendo minha chegada, o juiz entrou em campo. Após nos perguntar rapidamente se estamos preparados ele se afastou e assoprou um apito para chamar a atenção de todos. As conversas que preenchiam a atmosfera até um instante atrás sumiram, agora todos estão concentrados na luta. Collen e Eu assumimos nossas posições a três metros de distância de cada um. Joguei meu sobretudo para trás e saquei uma pistola apenas. A arena foi feita para esse tipo de situação então assim que a luta começou foram acionados campos de força de última tecnologia ao redor da arena para bloquear balas perdidas e golpes que possam sair de controle. É o mesmo tipo de tecnologia usada em mechas. O juiz olhou para nós dois e após assentir ergueu a mão e disse:

— Muito bem… — e ao abaixar a mão completou — COMECEM!

No instante seguinte o juiz já tinha se afastado para uma distância segura e Collen parou ao meu lado, ele veio com tanta velocidade que levantou uma cortina de poeira. Obviamente a intenção dele não era cravar a espada no chão como ela está agora, e sim me atingir. Collen não usa magias excepcionais, apenas uma "movimento acelerado". Mas combinado com a incrível habilidade com espadas dele, se torna uma combinação mortal. Só consegui desviar porque consegui prever a trajetória das espadas antes dele começar a se mover. E assim que a espada tocou o chão eu me afastei em um salto.

— Como esperado, você desviou. Muitos não conseguem nem isso, devo elogiá-lo.

— Você realmente não está se segurando nem um pouco, hein Collen?

— Foi você quem disse que isso não faria sentiiDO!

Zwooom! As espadas atacaram em sincronia dessa vez, atacando pelas duas laterais fazendo o movimento de uma tesoura exatamente sobre o ponto em que eu estou, mas não fui atingido porque me abaixei a tempo e isso me coloca em uma ótima posição de contra-ataque.

— Ghu! — Joguei meu corpo contra Collen, obviamente não estou tentando feri-lo, alias o ferido quase acabou sendo eu graças a pesada armadura dele, mas consegui fazê-lo perder o equilíbrio por um instante em que ergui minha arma e atirei no seu peito duas vezes, mas ele entendeu minha intenção e conseguiu bloquear com a armadura do braço esquerdo e aproveitou para dar uma cambalhota para trás, parando em pé.

— Hahá, odeio admitir isso, é frustrante ver alguém tão lento desviando dos meus ataques tão facilmente, Sanchez!

— Como se fosse fácil, idiota!

Não é como se eu fosse super rápido ou tivesse incrível velocidade de reação. O problema na verdade está no próprio Collen. Quando ele começa a se mover o corpo dele é lançado a uma velocidade tão grande que é impossível sequer ver seus movimentos até ser tarde de mais. Isso também significa que o corpo dele em movimento está sob uma enorme pressão e ele não tem tanta liberdade de movimento durante o deslocamento. Portanto, ele prepara as espadas na posição de ataque antes do ataque. É apenas por um instante e ao chegar no ponto desejado ele usa a magia de aceleração apenas nos braços para golpear sem falhas. Mas desde que ele esteja a pelo menos alguns metros de distância, eu tenho tempo o bastante para desviar de alguma forma. No último golpe era impossível desviar para os lados, e pular para cima ou para trás levaria muito tempo então eu simplesmente me abaixei. O problema de movimento acelerado é que se você trombar com algo durante o efeito, você perde todo o equilíbrio então ele nunca tentará se deslocar por grandes distâncias de uma única vez e não tentará me "atropelar" durante o movimento. É claro, eu não analisei tudo isso durante nossa luta de agora, eu já sabia de tudo o que há para se saber sobre ele. E obviamente, ele também conhece meu estilo perfeitamente, por isso bloqueou minhas balas com o braço.

— Mas isso é realmente um incômodo — ele ergueu o braço atingido pelas balas. Mas o braço está sem a parte da armadura que havia equipado antes. — Ei Sanchez, onde está a minha armadura?

— Em seu quarto, colocada cuidadosamente sobre sua cama.

— Muito gentil de sua parte.

Minha magia é teletransporte. O problema é que não consigo teletransportar nada muito grande ou pesado, até um ser humano ultrapassa minhas limitações. Mas é o bastante para remover o equipamento de alguém. Quanto a forma que eu fiz isso, atirei na armadura para acionar o efeito, é algo parecido com o que Carter, o arqueiro-alquimista faz. Isso é um traço raro entre usuários de magia, ser capaz de incorporar a magia em um objeto (um projétil por exemplo) e desferir o efeito através desse médium. Não é raro pelo fato de que só algumas pessoas tem essa capacidade, mas porque é desnecessariamente difícil de se aprender. Dito isso eu era um aluno exemplar. Normalmente só seria capaz de teletransportar algo que toco com minha pele, mas usando a bala como intermediário, meu alcance é o alcance da arma. Sei que é necessário mais uma explicação então tirarei isso do caminho de vez: Não é possível usar o comando através de algo que foi teletransportado. O que eu aplico no objeto é apenas o comando, ou "encantamento", e esse encantamento cria uma ligação entre mim e o objeto para absorver minha força mágica no momento do efeito. Ao teletransportar o objeto, essa ligação é cortada e o efeito não acontece por falta de energia mágica. Existem especialistas que conseguem adicionar magia no objeto junto com o encantamento, mas isso é uma especialidade completamente diferente da minha.

Collen se preparou para uma nova investida. Dessa vez embainhando uma espada. Ele deve estar considerando que precisão é mais importante do que área de efeito nesse momento. Sinceramente isso dificulta as coisas para mim, segurando a espada com as duas mãos ele tem mais força para mudar a direção do ataque. Dobrei minha atenção, não há tempo para considerar contra ataques, preciso pensar apenas em desviar. Ele levantou a espada acima do ombro apontando para frente. Problemático, ele tem mais do que uma ou duas opções de golpe a partir dessa posição. Em outro piscar de olhos ele acelerou. Não pude ver ele por um instante e no outro ele já está em cima de mim pronto para me atacar. Eu não desviei e agora já não há mais tempo para isso. Ao invés disso, estiquei meu braço e bloqueei a espada com minha pistola antes dela começar a se mover. Uma ideia idiota. Mas eu posso fazer funcionar. Afinal, não é como se eu não pudesse encantar a pistola assim como as balas. Mesmo assim minha arma voou para longe com o encontro e eu quase torci minha mão, mas a espada do meu inimigo desapareceu diante dos meus olhos.

Esse um instante que demorou para ele entender o que aconteceu foi o bastante para mim encostar em uma parte da armadura dele. Só precisei remover o peitoral da armadura e as costas se desprenderam. Collen se afastou no mesmo instante. Não é só eu que quero manter a distância para ter tempo de esquivar. Collen pode se mover mais rápido do que uma bala, mas reagir a tempo é outra história, sem falar que eu posso remover o equipamento dele por simplesmente encostar nele. Incrivelmente é uma situação em que não é vantajoso para nenhum de nós permanecer perto do inimigo por muito tempo, mesmo ele usando armas de menor alcance.

Por outro lado, isso também significa que qualquer ofensiva a longo alcance é inútil então nós dois precisamos avançar para atacar, mesmo eu tendo armas com maior alcance.

O próximo assalto é decisivo. Eu estou com uma mão quase torcida, não acho que ela vá se recuperar a tempo de poder usá-la, mas não é um ferimento grave o bastante para me deixar fora de combate então a luta prossegue. Só posso usar uma pistola na mão esquerda então removi meu sobretudo e joguei ele para longe. Collen também entende a situação. Ele perdeu uma arma e boa parte da armadura, então a situação dele não é muito melhor do que a minha exceto pelo fato dele poder usar as duas mãos. Derrubando o resto da armadura superior no chão, ele se posicionou e começou a se concentrar.

Não precisamos ferir um ao outro para decidir o vencedor. Assim que ficar claro que o ataque a seguir é impossível de desviar e removeria o oponente de combate se fosse executado, o vencedor é decidido. Então, tudo o que eu preciso é apontar a arma para qualquer parte do tronco ou da cabeça dele. Ou até nos braços dependendo da situação, mas não quero dificultar as coisas. O problema é que a essa distância, assim que eu levantar a arma ele estará em cima de mim. Então, com a arma abaixada, também comecei a me concentrar.

O silêncio desse empasse é incômodo até para mim que odeio barulho. Vários segundos se passaram nessa situação, nós dois encarando um ao outro, esperando por qualquer abertura que possamos usar. Até o vento é capaz de incitar nervosismo nesse momento.

Por causa desse clima, o simples barulho de um inseto levantando voo deu início a tudo.

Ele acelerou sem sair da posição em que estava, eu dei um passo para trás e para o lado e levantei minha pistola colada ao meu corpo.
Uma espada veio em direção ao meu pescoço, me joguei no chão e estendi o braço para atirar.
O inimigo desapareceu novamente logo em seguida, estou no chão mas a pior situação agora é não poder me mover, então deixando de lado qualquer restrição rolei para a posição que sabia que ele ia aparecer.
Isso deve te-lo pego de surpresa porque ele freou de forma pouco natural, usei essa chance e dei dois tiros sem mirar direito, ele conseguiu desviar mas acabou caindo no processo.
Me levantei o mais rápido que pude, ele se ajoelhou.
Estamos literalmente a um passo um do outro então apontei minha pistola para o rosto dele e ao mesmo tempo a espada dele foi erguida com as duas mãos na altura do meu estomago pronta para perfurar meu corpo de um lado ao outro.

 — Mas que…

Antes que pudesse terminar de falar, o juiz ergueu a voz.

— É um empate, a partida está encerrada! Abaixem suas armas!

Não obedecemos imediatamente. Empate hein? Certamente parece dessa forma, nessa situação nós dois nos mataríamos. Mas isso não é totalmente verdade. A espada dele não está apenas pronta para perfurar meu abdômen, usando a aceleração dele, ele poderia cortar o meu braço e isso com certeza me tiraria de combate. Quem seria mais rápido? Meu gatilho? A aceleração dele? Não, isso não seria um empate, um dos dois teria que vencer, mas isso não é algo que podemos tirar a limpo em uma partida amistosa.

Portanto, abaixamos as armas.

— Ei… aquele atirador… lutou de igual pra igual com o Collen?

— Não pode ser…

— Não foi ele o responsável pela fuga da RDK da última vez?

Várias vozes especulativas vieram da arquibancada. Argh, isso é um incômodo, fiz o meu melhor para ignorar o público e me dirigi a Collen.

— Obrigado por aceitar essa partida.

— Você melhorou muito, estou ansioso pela próxima.

Dizendo isso, ele acenou e começou a recolher os pedaços de equipamento do chão. Fiz o mesmo com meu sobretudo e minha pistola que foi jogada para longe.

Bom, não foi uma vitória como eu esperava. Me pergunto se isso vai passar a mensagem certa para a Emily.

Falando (ou pensando) nela, percebi que ela invadiu o campo e se aproximou de mim.

— Como? — foi a primeira palavra que saiu da boca dela. — Eu achei que você fosse um oficial normal, como você conseguiu lutar de igual para igual com um dos mais fortes da Royal Guard?

Acho que preciso começar explicando por isso.

— Planejamento — respondi em uma única palavra. Ela continuou em silêncio então continuei a falar. — O ranking que usamos julga os combatentes em sua capacidade de se adaptar a situações de combate inesperadas e enfrentar e neutralizar inimigos variados e desconhecidos. Sinceramente, essa coisa toda não é minha área. Não sei lidar com situações inesperadas e isso é minha grande fraqueza, mas se eu conhecer o inimigo, posso planejar pelo menos parte da luta a meu favor. Bom, mas planos normalmente vão por água a baixo quando a luta realmente começa, quando Collen percebeu que seu estilo de luta não ia mais funcionar ele alternou para uma espada só e conseguiu ferir minha mão. É por isso que ele está entre os melhores afinal de contas.

— … Se você soubesse que ele mudaria de estilo, você teria vencido?

— Sim, com certeza. Dito isso, foi uma falha minha não ter previsto isso. Quase nunca vi Collen usar apenas uma espada então esqueci de considerar esse cenário. O que ele perde em agressividade e velocidade de ataque, ganha em precisão.

Eu disse mais cedo que era como ela no passado, então espero que isso pelo menos a faça perceber que é possível superar a própria dificuldade.

— Se tudo tivesse ido conforme o plano, eu teria derrotado ele após remover todos os seus equipamentos.

— …?

— Na verdade era isso que eu queria te mostrar e não consegui. Mas essa foi a forma que encontrei para lidar com meu problema. Ainda não posso atirar em alguém desarmado, então eu teria perdido se aquilo fosse uma luta de verdade. Mas isso não significa que não posso tirar as opções de combate dos meus inimigos e deixá-los completamente inofensivos. Bom, no final acabei falhando miseravelmente, pode rir se quiser.

Bom, não é como se eu quisesse ver ela rindo de mim então me virei e comecei a andar. Mas o que ela disse a seguir foi completamente inesperado.

— MUITO OBRIGADA!

E ela gritou com tanta força que me fez virar novamente apenas para vê-la se curvando respeitosamente em minha direção.

— E… ei, espere, o que é isso?

— Senpai, muito obrigada por me mostrar isso. Você foi incrível!

Droga, pare com isso, como eu deveria reagir a isso? Eu sou seu treinador, você não tem o direito de me deixar sem graça! Eu queria dizer isso, mas não consegui ao ver o rosto dela assim que ela se endireitou. Ela está sorrindo como nunca a vi sorrir até hoje.

— Tenho certeza de que vou encontrar uma maneira de superar minhas dificuldades!

…Oh well, acho que era isso que eu queria, certo? Não entendi muito bem, mas de alguma forma… sucesso.

— Certo — mas ainda quero fugir dessa situação então me virei rapidamente e voltei a andar.

— Ah, espere, senpai! Sua mão!

— Minha mão?

— Você ainda está ferido, certo? Precisamos cuidar disso, eu tenho um kit de primeiros socorros, venha comigo.

E dizendo isso ela despreocupadamente segurou minha mão não machucada e começou a me puxar. Ei, alguém pode me explicar como acabei nessa situação? Eu queria passar o resto do meu dia descansando tranquilamente, por que sinto que isso se tornará impossível? Droga, isso não estava nos planos!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Capítulo 6 - The Dead Remains of a Necromancer's Past - Parte 2


Intermission: Dionathan

O esqueleto parou de falar. Ainda da pra ouvir sua gargalhada ecoando nesse vazio preenchido com cadáveres. Fora isso, apenas o som de madeira se queimando em algum ponto distante.


Eu não sei onde estou, nem mesmo como cheguei aqui. Mas aqui estamos, com uma katana na nuca de um monte de ossos que ri e conversa. Eu não deveria fraquejar em uma hora destas, mas definitivamente, eu não devo mais matar ninguém. Merda, essa coisa não deve ser considerada nem mesmo um ser vivo!


- Você...


Ele girou seu pescoço lentamente, direcionando suas órbitas para minha face. Seus ossos e junções estalavam em diversos pontos enquanto sua tremedeira levava à queda de poeira que estava acumulada sobre os ossos.


-... Prometeu, lembra?


Eu me afastei alguns passos. Eu... Prometi? O que foi que eu prometi?


- Você... Matou...


Não. Do que você está falando? Não, não se levan... Minha perna, minha perna está presa! Eu não consigo ver o que a prende. Tem muita fumaça, não da pra enxergar. Espera aí, o que é isso?!

Cambaleei para trás assim que a soltei. Estava presa nas mãos de um dos cadáveres largados no chão.

- Você, não deixaria... A gente morrer...


Calem a boca!

Os corpos ao redor começaram a se mover da forma que podiam. Dilacerados, cortados, desmembrados. Eles estão fazendo um cerco. Isso não é bom.

- É o que restou de você. Do seu passado...


Uma voz fria e ofegante veio de trás. E logo então, uma pessoa com metade do crânio descoberto surgiu em minhas costas.


- ... A morte.


Intermission: Anna

- AHHHH! – Dionathan recuou atordoado.


Eu não sei o que está acontecendo, mas é a hora. É a distração perfeita. Hanged nem sequer percebeu a armadura de gelo se formando ao meu redor.


Armei a bomba da forma mais discreta que pude e a deixei rolar pelo chão. A proteção ao meu redor terminou de se formar. O tempo foi preciso como em meus cálculos. Sua espessura também saiu como o esperado. Não há chances de se romper com o impacto do explosivo.


O tempo se esgotou e a explosão se encarregou de afastá-los de mim.

***

Ilesa, desfiz a camada de gelo que me envolvia. Algo desse tipo não é problema para alguém como eu que pode controlar o gelo. Bom, preciso recuar imediatamente. Hanged, e ainda tem aquele tal do Dionathan... Isso foi inesperado de inúmeras formas. Eu vou precisar de reforços.


Re-ativei minha névoa mágica de forma que voltasse a servir como um manto e me afastei do local.

Intermission: Ciro

Eu relaxei. Não devia ter me distraído. A culpa é toda sua, Dionathan. O que se passou pela sua cabeça? Estava completamente fora de si. Pelo menos não vai se lembrar de ter me visto nessa forma quando acordar. Mas...
Anna deve estar nos arredores. Ainda da tempo de alcançá-la. Fiquei de pé. Não estou muito ferido, mas Dionathan parece estar com o ombro ferido. Ter sido arremessado alguns metros pelo impacto da bomba não deve ter ajudado. Ah, ele vai ficar bem.
Sem mais demora, parti na direção em que eu esperava que Anna estivesse.

Intermission: Dionathan

Ai, ai, ai, ai, ai, ai. O que aconteceu? A droga do meu ombro voltou a doer.  Ah... Parece que eu o desloquei mais ainda. Não brinca!

Levantei e verifiquei o cenário. Este é o lugar onde aterrissamos, não é? Eu me lembro bem desses containers e daquela floresta ali perto. Ah, o navio também está aqui, mas não tem ninguém perto. Ciro deveria estar por aqui... O que será que aconteceu?

Vamos ver. Eu lembro que estava andando em um lugar bem esquisito e de repente eu vi uma caveira e... Bom, não tem ligação nenhuma com o fato de eu ter chegado aqui.

E pensar que eu entrei em transe outra vez. Parece que a dor me despertou. Parece que fui arremessado por um explosivo. Ah, vive acontecendo na Izanagi por causa do Andrew. Mas... De onde teria vindo o explosivo? Bom, faria sentido se fosse outra armadilha.

Mas afinal, pra que tantas delas? O que eles andam caçando por aqui? Manticores?!
É, até que faria sentido. Os moradores devem ser bem cautelosos por aqui.

Mas de todo jeito, é a segunda vez que caio nesse mesmo esquema. Preciso ter mais cuidado daqui pra frente. A ilha parece ter alguma preferência comigo, e acho que sou mais sensível a ela do que os outros. Vai ver ela é realmente como a Izanagi, e de alguma forma acabou gostando de mim.


Naaah, não faz sentido, haha!


Apesar disso, antes de acordar eu estava naquele farol. Não tinha nada de suspeito. Mas ainda não da pra relaxar com o Lenarth e os habitantes. Espero que os outros não tenham problemas.

Bom, está ficando tarde. A névoa já abaixou em sua maioria. Ciro deve ter ido atrás da gente. Os explosivos na estrada até o farol não devem ser problema já que o maníaco sente o cheiro de máquinas e coisas do tipo à distancia.

Só me resta esperar. Sim, logo voltarão. Haha, apenas em alguns minutos... Ou instantes, talvez. No máximo uma ou duas horinhas, mas passa voando. Eu tenho certeza de que já estão voltando com toda a comida e os remédios. Está anoitecendo. Não tem problema se eu dormir por aqui... Sozinho, em um lugar tão abandonado e suspeito. Certo?


***

Desenhei um boneco palito descabelado na árvore com a katana que invoquei. Uma obra de arte que apontava exatamente para a direção que eu decidi seguir. Estou fazendo eles já tem algum tempo, assim evito de me perder e ainda deixo minha marca artística na ilha.
Meu ombro está enfaixado. Não sou bom com assuntos médicos, mas espero que isso alivie as coisas por algum tempo. Até encontrar os outros, pelo menos. Só espero que não tenha que lutar com ninguém...

(...)


Mas que droga, o que é que eu estou dizendo?! 

- VENHAM TODOS ATÉ MIM!, EU OS DESAFIO!!
Certo, uma cigarra começou a cantar. Será isso um sim?

Não posso perder tempo. Já anoiteceu e... Ah, mosquitos. E nem da pra enxergar direito o caminho. A luz da lua não chega com intensidade por causa da copa das árvores. Por que esse tipo de coisa sempre acontece? Nenhuma tocha, sem repelentes. Ok, esse barulho já está enchendo. Vocês já podem me abandonar e procurar algum Manticore aqui por perto.

Vai ver, isso tudo é por eu ter sangue doce. Disse que isso acontece quando comemos muito açúcar. Então vocês gostam disso, heim? Tem certeza que não é porque eu sou um samurai? Nem pelo meu comportamento estranho? Meu visual? Meus monólogos? HÃ?!
- É O CABELO?! – chacoalhei a espada com fervor no ar para todos os lados na tentativa de acertar algum.
Oh, pararam. Há! É o que acontece quando se intrometem com um mestre espadachim, seus insetos!
Há, insetos. Bom trocadilho.
Depois do combate mortal, voltei a caminhar usando a espada como bengala de apoio. Não que eu esteja precisando, mas faz parte do espírito aventureiro de qualquer um. Você não é um verdadeiro viajante se não carregar sua bengala de apoio.
No fim das contas, não devia ter cortado caminho pela floresta. Vou acabar demorando mais que o esperado. E pensar que não coloquei o Ave Maria da Culinária pra gravar...
Não, não há problema. Ainda tem a reprise. E vai ficar tudo certo se eu seguir para o norte. Ou pelo menos em frente... Uma hora isso daqui acaba...

(...)


Ei, o mar? Não devia ter uma cidade ali?

Tudo bem, talvez eu deva seguir pro Nordeste. Se eu continuar seguindo nessa direção eu definitivamente vou achar alguma coisa haha.

(...)

O mar, de novo? É o mesmo de antes, não é?! Não é ilógico? Ah, eu já vi esse boneco palito antes. Isso quer dizer que... Eu fiz uma trajetória circular fechada e não percebi? AHN?!
- Dio, seu idiota. Talvez, se eu conseguir manter a direção sem fazer nenhuma curva ou circulo... Sim, ainda há esperanças! Eu ainda posso chegar até Lenarth e os outros antes do amanhecer! Não é mesmo, árvore-kun? - dei um tapinha em seu tronco – Hahaha, isso, é isso mesmo! Se eu continuar seguindo, definitivamente chegarei a algum lugar.
- Hã? O que é que você está dizendo, Grenny?!
Tem um grupo se aproximando, eles parecem com pressa. São quatro, parecem bem desleixados pela aparência. E olha, eles têm um lampião, quem sabe um inseticida... Ah, eles estão indo muito rápido. É melhor eu começar a correr.

- Nada, esqueça isso e ande mais depressa! Nós precisamos alcançar aquele desgraçado do Lenarth!
Recuei o passo enquanto me ocultava entre as árvores. Lenarth? Ele disse Lenarth, não foi? Inconscientemente, prossegui bisbilhotando a conversa com cautela.
- Já chega, não adianta, ele provavelmente já chegou e...
- Não diga! – O homem que não tinha cabelo o interrompeu - Nós ainda devemos ter algum tempo sobrando... Mais rápido!

Eles apertaram o passo, eu imitei o movimento. É difícil alguém se ocultar nessa velocidade, mas para minha sorte há poucos troncos nessa região da floresta.

Eles parecem realmente desesperados, e estão armados. Pistolas, não são? Parecem ultrapassadas. São bem mais simples do que as do Rodrigo. Acho que tentar me comunicar pode não ser uma idéia interessante... O que Lenarth fez pra ganhar tanta atenção? Eu sabia que havia algo de errado como ele, por isso não estou tão surpreso. Só espero que os outros estejam fora de perigo.

- Eu não acredito que demoramos tanto pra perceber que esse cara era um Necromante... Isso é frustrante! Ele enganou todo mundo!

Hein?

- Não, Lenarth foi cauteloso, ele planejou todos os detalhes. Aquele livro que ele deixou sobre a mesa, e o recado... Ele está zombando da gente.

- Ele já tem tudo sob controle. Não acham que pode ser uma armadilha?

- Ele vai invocar um demônio e você preocupado se é uma armadilha?! Se ele conseguir, a gente morre do mesmo jeito!

- T-Tem razão...

Pouco a pouco, minhas pernas foram perdendo sua velocidade até que eu parasse de persegui-los por completo. Abaixei a cabeça e cerrei os pulsos enquanto as mentiras de Lenarth ecoavam com clareza em minha mente. Então, não passava de teatro. Domador de feras uma ova... Você é só um invocador de demônios, seu desgraçado. Eu sabia que você era furada, mas isso... Droga, isso é passar dos limites.

- Qual o seu problema?! – coloquei a raiva para fora com um grito.

O som ecoou pela floresta. Eu não pensei no que isso acarretaria caso houvesse alguém perigoso nas redondezas. Entretanto, quase que como uma resposta, eu recebi outro grito:

- AHHHHHHHHH!

É aquele Grenny!
Retornei a perseguir a mesma direção colocando todo o esforço possível em minhas pernas. Sem dúvidas, era a voz de um daqueles quatro. Foi um grito único, rasgado e certeiro, um grito de morte. E agora o silêncio, isso não é um bom sinal. É como...

“AHHHHHHH”

Para! Não é hora pra isso acontecer. Aqueles quatro precisam de ajuda, eu preciso alcançá-los.
Minha visão começou a ficar embaçada, ao mesmo tempo, minhas pernas perderam pouco a pouco a capacidade de movimento. Meu corpo já não me obedecia.
E então, o grito dos outros dois que seguiam Grenny. Esperem mais um pouco... Só mais um pouco...

***
O mesmo vazio, o mesmo chão escarlate, a fumaça e os mesmos cadáveres, a mesma madeira queimando. Não, não outra vez! Não vou repetir a mesma cena. Eu não posso perder tempo, ainda existe alguém que precisa de ajuda.

- Apenas se... Entregue... – O mesmo esqueleto. – Deixe que morram. Fique... Fique...

- Cala a boca. Como se eu fosse dar ouvidos a você!

Materializei uma adaga e me ajoelhei. Com as duas mãos em seu cabo, levantei a arma a uma altura superior da minha cabeça.
Eu não posso hesitar, é o único jeito de escapar daqui. Se eu colocar muita força neste movimento eu também vou ferir meu ombro... Mas bom, é a idéia aqui. Sentir dor. Espero que funcione!
Deixei o peso de meu braço cair junto com a arma até que sua lâmina penetrasse na perna sob a qual eu estava ajoelhado.

***

De volta à floresta, eu estava na mesma posição do cenário anterior, com o diferencial que agora havia uma adaga cravada em minha perna, e que a dor dominava meus pensamentos.

- Argh... - Removi a arma e deixei o sangue sair. – Eu quase me esqueci do quanto era doloroso.

Mas pelo menos deu certo.
Isso vai dificultar um pouco a locomoção. Mas tudo bem, acho que estou perto. Há sons de disparos. Provavelmente, está reagindo.
Corri como pude. A ferida doía e me obrigava a mancar, mas não me atrasava muito. Segui o som dos tiros e cheguei ao lugar. O último membro do grupo estava sozinho, apontando sua arma para ninguém.

- Ainda há... Ainda há tempo, Lenarth!! – ele gritou.

Ei, Lenarth não está aí. O que você pensa que está fazendo?
Suas mãos tremiam e havia sangue em seu rosto. Vasculhei os arredores com meus olhos, os corpos de seus companheiros não estavam por perto. E o inimigo também não.

- Fique longe... – seu dedo se movia lentamente contra o gatilho – Se você se aproximar mais eu...

- O que está acontecendo? – me intrometi na cena.

O homem parou e cambaleou para trás deixando sua arma cair no chão. O seu tremer assumiu outro padrão. Ele se virou para mim, e começou a mancar em minha direção enquanto um corte profundo se abria da cabeça ao peito na vertical. Quando ficamos frente a frente, ele deixou que seu corpo caísse em mim. Eu estendi meus braços para segurá-lo, entretanto ele me atravessou e desapareceu por completo.

O que foi... Isso? Uma ilusão? Materializei uma espada comum e procurei desesperadamente por um inimigo nos arredores. Nada. Nem mesmo um invisível. Também não há sangue no chão, nem nos troncos. Não há vestígios de batalha, tudo em perfeito estado inclusive a vegetação. Nem sequer cadáveres.
Não importa o tamanho da batalha que você trave, ela deveria deixar algum vestígio de sua existência, isso está errado. Agachei e conferi a grama e o chão. O mesmo resultado.

- Então foi tudo... Fantasia?

- Você pode ver assim. – uma voz misteriosa me respondeu.

Virei o corpo na direção do sussurro, pronto para atacar.

- É você, Lenarth?!

- Não me rebaixe desse jeito!

Agora a voz veio de outra direção. Adaptei o meu corpo e prossegui tentando enxergar o inimigo.

- Foi você quem matou estes quatro? – continuei o interrogatório.

Apesar do uso do termo “matar”, eu não sei se estou certo. Nem sequer sei o que houve, pra ser exato.

- Se eu fosse o culpado, você acha mesmo que eu te diria? – E rapidamente, ele apareceu em minha frente – Bu!

- Ah! – recuei sem abaixar a arma e fixei meu olhar no alvo – É você!

A mesma criança que eu vi quando cheguei nessa ilha. Então não era só minha cabeça no fim das contas. Mas, como assim? A aparência... Ele realmente parece uma versão minha mais jovem. É idêntico!
Abaixei minha espada por um momento.

- Hahahaha! Você realmente se assustou!

(...)

- Hã? – ele continuou – Você não vai rir também?

- E por que eu riria? Pessoas foram mortas bem aqui, exatamente agora, por que inferno eu teria um motivo para começar a rir?

Ele ficou em silêncio e parou de zombar da situação. No fim das contas era só uma criança, acho que fui duro com ele... Ah, não tenho culpa! Ele já deve estar na idade de entender coisas do tipo.

- Mortas? E como é que alguém mata o que já está...

Pisquei os olhos, e quando eu os abri ele já não estava mais lá.

-... Morto? – Suas pequenas mãos atravessaram meu peito como se fosse fumaça.

Recuei outra vez, isso não é só uma criança. Não é hora pra abaixar a guarda.

- Ah, você não gritou dessa vez.

- O que é você?

- Eu sou a mesma coisa que aqueles quatro que você viu agorinha pouco. Somos energia. Energia espiritual! Soul Energy! Ou se preferir, Anima!

Fiquei imóvel por alguns instantes. Sem dizer nada e também sem saber o que pensar. Animas não deveriam ter esta forma, não é? Deveriam ser apenas energia, seguir em um fluxo, como todas as outras!

- Mas somos diferentes porque somos a energia da vida. Ou talvez da morte. Bom, depende do ponto de vista.

Ele... Acabou de ler meus pensamentos?

- Sim.

- Tudo bem, eu já entendi.

Soltei um suspiro. Vamos racionalizar a situação. Primeiro eu entro em um transe muito doido, daí acordo, tudo estourado. Então eu perco um tempão em uma floresta que eu acho que é um atalho, mas que só atrasou minha vida e complicou tudo. E pra melhorar tudo eu bato de cabeça com Animus? Eu não estou tendo alucinações? Provavelmente é outra ilusão da ilha.

- Eu estou interagindo demais para uma alucinação, não acha?

Faz sentido.

- Você não precisa ter tanto cuidado. Não teria como a gente lutar, eu sou praticamente um fantasma!

É. Animus e fantasmas são basicamente a mesma coisa. O contato físico entre eles e os humanos é algo impossível. Eu estou me protegendo demais. Não preciso ser tão defensivo.
Abaixei minha arma e tentei relaxar um bocado... Se é que é possível em uma circunstância destas.

- Ah, e sobre a minha aparência, não é pessoal. Eu não sou realmente assim, parecido com você. Não, felizmente não, mesmo!

... Ei.

- Eu costumo variar. – ele prosseguiu. – É algo involuntário, mas as poucas pessoas que foram capazes de me ver até hoje se assustaram com isso. Eu não consigo imaginar porque acontece.

Fiquei em silêncio por um momento. É uma situação familiar.  

- Um espelho. – conclui - Você funciona como um espelho.

- E o que tem?

- Nada, é só que... Lembrei de algo que me disseram há muito tempo. É uma lenda. Sobre um jovem que faleceu muito cedo, sem ter o próprio rosto na memória. E então aparecia casualmente, refletindo a alma das outras pessoas em sua aparência.

Ele ficou um pouco cabisbaixo. Acho que toquei em um assunto muito frágil.

- Não, está tudo bem. Parece ser uma boa história! ...Quem te contou?

- Eu não lembro...  É algo que aconteceu há muito tempo.

- Sim. Mas não é por isso que você não lembra.

Saia da minha mente, seu maldito. Já ouviu falar em privacidade?


- Isso não tem importância agora. – cortei o assunto e desfiz minha arma. Não havia mais perigo. – Eu tenho pressa, preciso chegar até a cidade onde Lenarth está e...

- Avisar a todos?!

Não adianta, ele não para de espiar minha cabeça.

- Você viu, não viu? Aqueles quatro eram diferentes, eles viraram ecos de morte. Animus presos em um ciclo de sofrimento sem fim. Eles não descansam em paz, nunca. Lenarth fez aquilo com eles. Eles tentaram impedi-lo, mas ele os matou um por um, sua própria tripulação! Agora, por causa desse fracasso... Eles... Eles...

Lágrimas. Lágrimas começaram a se formar nos seus olhos junto a soluços. Aproximei e me ajoelhei em sua frente, ainda tomando um pouco de cuidado com a perna que eu feri agora pouco. Ele provavelmente não tem ligações com aqueles Animus, mas mesmo assim consegue derramar lágrimas por eles. Isso é um tanto quanto... Nostálgico, embora eu não saiba a razão.Encarei ele por um momento e tentei tocar sua cabeça, mas nada.

- É doloroso, não é? ...Fica calmo. As coisas vão melhorar em breve.

Ele enxugava os olhos com ambas as mãos enquanto tentava se acalmar.

- Isso é pelo gigante arrependimento que eles têm, certo? – Prossegui tentando acalmá-lo – Se as coisas se resolverem, isso trará fim a dor daqueles Animus, não concorda?

Um sorriso se esboçou em seu rosto enquanto seus olhos começavam a secar. Ele acenou positivamente com a cabeça.

- Ótimo, então deixe isso comigo... E os meus amigos. Não precisa se preocupar tanto com a gente, somos beeeem fortes!

- Tem certeza? Você está machucado demais para ser forte assim...

Ei... Outra vez?

- Foi um caso a parte. Mas me diz ai... Levando em consideração tudo o que houve, eles parecem ter fracassado. Então Lenarth realmente conseguiu invocar o que queria?

- Aham... O nome dele é Akem Manah. Eu nunca tive coragem de chegar muito perto, mas ele parece viver em uma caverna naquela direção – ele apontou para onde segui todo este tempo. – Nenhum de nós teve.

- “Nós”? Têm outros como você?

- Ué, você não viu ainda?

Não... Não era preciso pedir explicações a respeito disso. Eu estava distraído, mas agora que me foquei, eu realmente posso ver. Uma enorme multidão de Animus caminhando lado a lado, distantes mas ainda ali, murmurando coisas que eu não conseguia entender. Todos em direções diferentes, se atravessando sem notarem a própria presença.
Meu queixo caiu de tanta surpresa. Havia tantos todo este tempo? Seriam todos... Ecos?

- Eles não são ecos. É diferente. Acontece que... Tem alguém que não os deixa descansar.

Acorrentar almas neste mundo dessa forma não é certamente algo que um humano poderia fazer. Nem mesmo um necromante. Então;

- O tal do Akem Manah? – Chutei.

Ele concordou com a cabeça. De fato, não tem outro jeito.
Projetei uma faca em minha mão direita. Eu preciso guardar energia daqui para frente, mas acho que algo tão pequeno não vai me atrapalhar tanto.

- E... – me inclinei e comecei a desenhar no tronco da árvore com a faca enquanto os Animas circulavam pela área – Por curiosidade, estamos mais próximos da cidade ou da caverna?

- Da caverna, eu acho... Ei, o que é que você ta desenhando?

- Não é nada de importante.

Terminado o desenho, me afastei e fui para outra árvore na direção da caverna e comecei a desenhar algo parecido em seu tronco, enquanto isso, o Anima admirava o anterior. Um boneco palito, descabelado, apontando na direção da caverna enquanto segurava uma espada em posição de batalha. Eu tenho certeza de que eles vão entender o recado. Talvez eu deva desenhar o tal do Akem Manah em uma destas árvores. Mas não faço idéia de como ele seja. Um boi com chifres deve ser o suficiente. Espera, isso não é um touro?! O demônio é um touro?! Tudo bem, talvez se eu mudar o desenho na próxima árvore... Sim, agora, ele ficará sob duas patas e... Um dragão sem asas?! Uma hora eu acerto.
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